A MORTE NO FÉDON E NA GENEALOGIA DA MORAL

No primeiro capítulo de seu livro "Aprender a Viver", Luc Ferry defende que a filosofia tem em comum com as religiões a tentativa de se resolver a angústia pela consciência da finitude, que todo ser humano carrega consigo. O que Freud chamou de "pulsão de morte". Obviamente que os caminhos da filosofia e da religião para resolver essa angústia são bem distantes. A primeira tenta pela razão a segunda, pela fé. Sobre o tema da morte, Lucrécio, discípulo de Epicuro, diz (poema intitulado "Sobre a Natureza das Coisas"):

"É preciso, antes de tudo, expulsar esse medo do Aqueronte [o rio dos Infernos] que, penetrando até o fundo de nosso ser, envenena a vida humana, colore todas as coisas do negror da morte e não deixa subsistir nenhum prazer límpido e puro."

O estóico Epicteto complementa:

"Tens em mente - diz ele - que para o homem o princípio de todos os males, da baixeza, da covardia, é... o medo da morte? Exercita-te contra ela; que para isso tendam todas as tuas palavras, todos os teus estudos, todas as tuas leituras e saberás que é o único meio que os homens têm de se tornarem livres."

Luc Ferry fala também de Montaigne, de seu famoso adágio segundo o qual "filosofar é aprender a morrer" e de vários outros filósofos posteriores, mas se esquece do filósofo anterior a todos esses, dono original da idéia que filosofar é aprender a morrer, Sócrates.

Nesse trabalho, pretendemos analisar a questão da morte no diálogo "Fédon", de Platão, tentando um diálogo com a "Genealogia da Moral", de Nietzsche.

O diálogo "Fédon", já da maturidade de Platão, ocorre na época posterior ao julgamento de Sócrates, e anterior à sua execução com a cicuta. Seus discípulos o cercam nesses últimos instantes de vida, sofrendo muito, parecendo por todo o tempo não entender a mensagem principal de Sócrates: que a morte é uma escolha, já em vida, de quem é filósofo: "o exercício próprio dos filósofos não é precisamente libertar a alma e afastá-la do corpo?". (Alma é "psiqué" no original grego, "anima" em latim, e não devemos confundir com o sentido atual, cristão do termo. "Anima" significa aquilo que dá animação, pode ser traduzida também como "vida", por exemplo).

Pois bem, o que Sócrates quer dizer aqui? Eis o grande problema dos manuais de filosofia sobre o Fédon: tratar tudo de forma literal, e alma como o que chamamos hoje de espírito. Assim fazendo uma separação brutal entre corpo e alma já no texto grego, o que na verdade só houve, posteriormente, no pensamento moderno. Se tomarmos o sentido de alma como vida e tentarmos perceber as sutilezas do texto, poderemos interpretá-lo, talvez, melhor: o filósofo é aquele que se coloca numa posição além dos sentidos (corpo), podendo ver melhor, através da própria vida. O pensamento filosófico mais profundo necessita de um afastamento dos sentidos, do que Sócrates chama de corpo, e exige uma racionalidade mais abstrata e etérea. Nesses momentos, um som, uma visão ou qualquer experiência sensória atrapalha.

Para Platão, o corpo, ao mesmo tempo em que pode atrapalhar o pensamento filosófico, como distração dos sentidos, também está ligado a esse pensar. Há uma interdependência e uma diferença entre os planos da percepção e da inteligibilidade. Parmênides, em seu poema, já dizia que “o mesmo é pensar e ser”, e esse ser é ser compreensível. A percepção vem da inteligibilidade. É difícil para nós, contemporaneamente, com a herança deixada por Kant, fazer essa mudança na perspectiva do mundo, já que estamos habituados a ligar a inteligibilidade ao sujeito e não aos objetos. Mas, para Platão, a inteligibilidade de cada coisa está no ser dessa mesma coisa e não em nós. Logo, tudo o que percebemos através dos sentidos do nosso corpo não deve ser considerado como o “mais real e verdadeiro”. Não se deve ficar SATISFEITO, CONFORTÁVEL apenas com o que os sentidos nos trazem. Não deve bastar. É justamente essa a ilusão dos seres acorrentados no mito da caverna da sua “República”. A percepção imediata dos sentidos, as sombras na parede da caverna, não podem ser suficientes para se entender o real.

Já Nietzsche chama o corpo de “Grande Razão” no “Assim Falou Zaratustra” (“Dos desprezadores do corpo”). O que é essa grande razão? “O corpo é uma grande razão, uma multiplicidade com um único sentido, uma guerra e uma paz, um rebanho e um pastor.” Negação de qualquer coisa além, da metafísica. “A alma é apenas uma palavra para alguma coisa no corpo.” Negação da separação cartesiana entre espírito e corpo (que foi um dos grandes passos para que desprezássemos o corpo ao longo da história filosófica). “Eu sou corpo, por inteiro corpo e nada mais.” Tudo é o corpo. Podemos perceber também nessa “Grande Razão”, a presença de opostos (guerra versus paz, multiplicidade versus único sentido) e de tendências contrárias (rebanho versus pastor). Interdependência e diferença num conflito interno que, porém, segue um “único sentido”. Se pensarmos que as células de nossa pele, por exemplo, morrem e são totalmente substituídas a cada vinte e oito dias, não parece nada absurdo o pensamento de Nietzsche. Além disso, a ciência nunca conseguiu, até hoje, determinar com exatidão o lugar de nossa consciência no corpo. Nem a psicologia definir o que chamamos de “eu”. Para Nietzsche, o pensar é como um movimento do corpo... Ele mesmo gostava de longas caminhadas por bosques e montes para pensar. Enquanto nossas rotinas contemporâneas de estudo e trabalho, além da busca por conforto e segurança, nos deixam cada vez nos movendo menos (o que contribui para esse aumento da obesidade mundial), ou em movimentos que tendem a ser repetitivos, previsíveis, monótonos.

Mas então Nietzsche fala o oposto de Platão? Ele valoriza o corpo enquanto Platão valoriza a alma (o “Nous”)? Talvez não. Pois ao mesmo tempo em que o pensamento noético exige um “afastamento” dos sentidos corpóreos, é através desses mesmos sentidos que todos nós aprendemos, passo a passo, a elaborar qualquer tipo de raciocínio. Através do corpo é que aprendemos a linguagem, por exemplo...

Eis aqui mais uma sutileza que uma leitura literal (ou seria apressada?) de Sócrates deixa escapar. Há uma pressa na Academia em rotular e definir, para facilitar o enquadramento em sistemas estagnados que são passados por gerações e gerações de professores metódicos e superficiais, com palavras difíceis, para ouvidos poucos... Talvez se perca com isso muito mais do que nas diversas traduções pelas quais o texto original em grego passou.

Pois bem, nessa parte do trabalho, já podemos começar a perceber a ligação que há entre os opostos “morte” e “vida” no Fédon. O texto parece, aliás, de inspiração Heraclítica (para Heráclito, a harmonia nasce do conflito entre opostos), pois há sempre um jogo subterrâneo entre diversos opostos inseparáveis e complementares como o Yin e o Yang percorrendo todo o diálogo como pano de fundo: desregramento e temperança, Apolo e Dioniso, permanente e perecível, homem e Deus, corpo e alma, morte e vida etc.

Mas aprofundemos mais a questão do filósofo como homem mais próximo da morte. O que isso significa? Que estado é esse que o distanciamento dos sentidos pode proporcionar? Uma maior despreocupação com o que os "não-filósofos" chamam de “real”, distanciando-se das ilusões que os sentidos nos trazem. O filósofo quer a verdade e a exatidão. Não se trata de não experimentar nada através dos sentidos, mas sim de não bastar a experiência IMEDIATA!

Nesse sentido, podemos voltar a Nietzsche e achar semelhanças. Um pensamento tão profundo como o do eterno retorno, por exemplo, não se obtém através da pura experiência imediata de algum sentido. Mesmo tendo ele ocorrido a Nietzsche ao ver uma formação rochosa singular numa caminhada. Requer um mínimo momento que seja de reflexão e afastamento do mundo sensível.

Mas e a questão da morte na "Genealogia da Moral"? Primeiramente, acho válido termos uma visão geral da obra, que trata de uma pesquisa de Nietzsche da origem de nossos preconceitos morais, questionando se a moral seria algo positivo ou negativo para o homem. Ou seja, não apenas preocupado com a origem da moral, mas também - e principalmente - com o valor da mesma.

Para trilhar este caminho, Nietzsche sugere o autoconhecimento. Primeiramente, histórico: como podemos nos chamar "homens do conhecimento" se não conhecemos nem a nós mesmos, aceitando a moral padrão dogmática que nos é ensinada sem questionamentos? Valores como "não-egoísmo", abnegação, compaixão, sacrifício (muito idealizados por Schopenhauer, inclusive) acabaram sendo aceitos como padrão de comportamento pela sociedade. Nietzsche, ao contrário, viu neles "o grande perigo para a humanidade". Pois a partir dessa vontade que se volta "contra a vida", estamos a um passo da grande tentação ao nada (como a budista), às beiras do niilismo. Esses valores chamados "bons" seriam a negação de nossos verdadeiros instintos.

A compaixão, por exemplo, tão praticada (na teoria) pelos sacerdotes religiosos, para Nietzsche é uma forma de "envenenar a ferida" em vez de curá-la: a vida é também dor, e a dor fortalece. Aliviar a dor de outro é, então, torná-lo mais fraco, dependente e com menor capacidade de vencer qualquer dor por si mesmo.

"E se no 'bom' houvesse um sintoma regressivo, como um perigo, uma sedução, um veneno, um narcótico, mediante o qual o presente vivesse como que às expensas do futuro? Talvez de maneira mais cômoda, menos perigosa, mas também num estilo menor, mais baixo?... De modo que precisamente a moral seria o perigo entre os perigos?..." (Prólogo, p. 13)

O homem "bom" é o que aceita passivamente o rebanho, que não luta por um futuro melhor, que aceita a posição cômoda em sua poltrona e assiste passivamente a TV se maravilhando com o controle remoto, os perigos dos filmes, engordando com os gastos cada vez menores de energia de seu corpo e a maior oferta e variedade de alimentos, aceitando as mesmices dos jornais e novelas (e, com isso, a aparência de impossibilidade de se mudar qualquer coisa). Variações desse estilo de vida: esportes radicais. Saltar de pára-quedas, bungee jumping etc. Não seriam formas de atenuar a saudade humana de algum RISCO na vida? Será que algum risco de MORTE nos é necessário?

Na primeira dissertação, Nietzsche trata da inversão dos valores "bem" e "mal". O bom, originalmente, foi o forte, que, justamente por sua força, criava e ditava valores (pode, inclusive ter ditado o nome das coisas, criando assim a linguagem, segundo o autor). Esses homens fortes, nobres (Nietzsche chama-os de nobres, mas não se trata de uma nobreza baseada em posses materiais, mas em aceitação de si mesmos, inclusive de sua vontade de potência), eram invejados pelos fracos, escravos, reativos. Mas os fracos, até mesmo por serem fracos, não os enfrentavam diretamente. Criaram, então, o "mal", designando os fortes como "maus", para viver melhor com suas limitações. Do mesmo jeito que ovelhas devem achar "más" as aves de rapina que as comem. O fraco distorceu o "bem", recriando-o, então, como o oposto do que faziam os fortes: aceitação, passividade, segurança... Os fracos seguiram o seu cansaço, seu medo, e a sua dificuldade de se relacionar consigo mesmo para criar, assim, a moral. E os sacerdotes criaram prêmios após a morte para estimular esse comportamento. Isso se tornou o "bem" que venceu na História e é aceito até hoje.

Na segunda dissertação, há um aprofundamento da questão da culpa e da má consciência, que surgem com esse padrão de moral cristão:

"Esse homem que, por falta de inimigos e resistências exteriores, cerrado numa opressiva estreiteza e regularidade de costumes, impacientemente lacerou, perseguiu, corroeu, espicaçou, maltratou a si mesmo, esse animal que querem amansar, que se fere nas barras da própria jaula, esse ser carente, consumido pela nostalgia do ermo, que a si mesmo teve de converter em câmara de tortura, insegura e perigosa mata - esse tolo, esse prisioneiro presa da ânsia e do desespero tornou-se o inventor da má consciência." (Segunda Dissertação, p. 73)

É como se todos os instintos destruidores, criadores, ativos inerentes ao homem, pela falta de uso externo, se voltassem para dentro do próprio homem, como um transbordamento de energia não utilizada no exterior. Com isso, ocorre o que o autor chama de uma "interiorização do homem". E é aqui que quero explorar melhor a questão da morte, ou do risco da morte, como NECESSÁRIO para Nietzsche. Novamente, como para Sócrates, o homem com a capacidade de filosofar, se vê como mais próximo da morte.

Mais especificamente na visão de Nietzsche, a infinidade de meios sociais criados para nos proteger da morte, acabou por deixar o homem num estado de interiorização, que, em minha opinião, gera mais e mais medo da morte: se você volta toda a sua atenção para o seu interior, qualquer mínima alteração interna te afeta mais fortemente. Qualquer medo se torna maior e a idéia da morte como perda de si mesmo talvez pareça ainda mais tenebrosa. Quanto mais reforçamos as paredes e sistemas de segurança e de vigilância de um cofre, mais atenção damos ao que ele contém, e mais medo temos de perder seu conteúdo.

Isso explicaria porque vivemos numa sociedade onde brota a "síndrome do pânico", que consiste, resumidamente, num medo fortíssimo e sem causa lógica. Não seria justamente uma NECESSIDADE do corpo, da nossa "grande razão", de ter algum medo, alguma sensação de risco? Pergunto-me se haverá algum estudo sobre a incidência dessa síndrome nos praticantes de bungee jumping ou de qualquer esporte que envolva um risco mortal (na internet, não encontrei). Meu palpite é de que a incidência seria bem menor ou nenhuma.

Talvez o grande problema seja que nos falta aceitar, filosoficamente, a morte. Assim como o envelhecimento. Queremos fazer plásticas para parecermos jovens, tomar remédios para não envelhecer, pagar plano de saúde para não morrer... Os médicos mantém vivos com aparelhos pessoas com cada vez mais idade, inconscientes, sem a capacidade de falar, de ouvir, de ver, de comer, de tocar... Para quê? Por quê?

Não há em Nietzsche uma resposta para algum tipo de vida coletiva diferente da nossa sociedade, baseada em cerceamentos individuais e busca de paz e segurança. Para Nietzsche, qualquer certeza, aliás, é uma vontade iludida de fazer sentido. Mas, pelo menos, o texto nos faz repensar nossas certezas, olhar de uma nova perspectiva nossa vida. E só isso já basta para transformar. E isso é o que considero mais importante na filosofia.


BIBLIOGRAFIA:


NIETZSCHE, F. Genealogia da Moral. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

PLATÃO. Diálogos: O Banquete, Fédon, Sofista, Político. Os Pensadores. São Paulo: Abril cultural, 1972.


(Fabio Rocha)

LEIBNIZ: LIBERDADE NA ETERNIDADE

Este trabalho visa explicar a noção de conceito completo para Leibniz, articulando-o com a definição analítica da verdade e o princípio da identidade dos indiscerníveis, indicando os problemas que esta noção coloca para a liberdade humana.

Comecemos pelo início: a criação do mundo. O Deus de Leibniz tem vontade e intelecto, distintos ontologicamente (nisso, difere de Espinosa, onde vontade e intelecto se misturariam). Deus é também, por natureza, bom, o que implica que só poderia escolher (na eternidade ) o melhor dos mundos possíveis para criar (com a vontade). Vale notar que o melhor, para o autor, seria o resultado máximo (maior riqueza de efeitos) com um menor gasto de recursos (ou meios). Deus é uma perfeição para Leibniz: tem forma e natureza suscetível de último grau (não se pode acrescentar maior). Ou seja, tem onisciência, onipotência e bondade absoluta (vontade soberanamente boa).

Mas como se dá essa escolha do melhor mundo? Deus, tendo intelecto infinito, pode escolher dentre infinitas combinações de substâncias individuais , porém apenas as combinações possíveis (respeitando o princípio da não-contradição). Por exemplo, por ser contraditório, Deus não poderia criar um quadrado redondo. Ele organiza, assim, vários mundos compossíveis com o intelecto e escolhe o melhor com a vontade.

A criação do mundo dá início à temporalidade, onde o potencial de cada substância individual se torna uma ação a cada instante do tempo. Com isso, Deus, ao escolher o melhor dos mundos possíveis como a melhor combinação possível de substâncias individuais, já sabe, na eternidade, as características intrínsecas a cada uma delas. Assim, quando isto se desdobra na temporalidade, podemos afirmar que o Deus de Leibniz já sabe tudo o que aconteceu e acontecerá com todas as substâncias individuais.
Aí temos a teoria analítica da verdade: Todos os infinitos predicados são necessários para o sujeito (finito) ser o que é. Logo, um predicado (seja ele necessário – negação impossível – ou contingente – contrário não envolve contradição) é verdadeiro se está contido no conceito do sujeito.

Seguem-se daí a definição de conceito completo e de indivíduo:

1 - O conceito C de uma coisa S é dito completo se e somente se, da preposição “S é C” pode-se deduzir todas as outras (infinitas) proposições
verdadeiras tendo S como sujeito: “S é P1”; “S é P2”; ...

2 - S é um indivíduo se e somente se S possui um conceito completo.

Isso se reflete nas mínimas coisas: por exemplo, se eu não escrevesse esta frase neste instante, não seria eu, pois no conceito do meu “eu”, já estaria determinado desde a eternidade que eu escreveria esta frase neste instante (pelas propriedades relacionais que vinculam todas as coisas, o mundo também não seria o mesmo). É o chamado superessencialismo de Leibniz: todas as propriedades de um indivíduo (necessárias ou contingentes) constituem a sua identidade. Esse princípio de “eu” não ser mais “eu” por uma diferença na ação é chamando de princípio da identidade dos indiscerníveis: toda diferença extrínseca repousa numa intrínseca. Ou seja, não é possível duas substâncias individuais se assemelharem completamente (em todos os seus infinitos predicados) e diferirem apenas em número.

Em complemento, nada é incerto ou casual para Leibniz, pelo princípio da razão suficiente, que diz que tudo tem uma causa ou razão.

Aí começa o problema da liberdade. Como teríamos liberdade de escolha de nossos atos, se Deus já soubesse de tudo que escolheríamos? Como podem haver porposições contingentes, considerando-se o conceito completo? E como poderíamos realizar alguma ação de modo diferente, mantendo nossa identidade, considerando-se o princípio da identidade dos indiscerníveis?

Definamos, antes de nos aprofundar nessas questões, as três condições de liberdade de ação para Leibniz: espontaneidade (o agente é a fonte única da ação), inteligência (a decisão da ação é baseada em razões) e contingência (o oposto da escolha da ação não seria uma contradição).

Há duas tentativas de se resolver esse problema: a concepção epistêmica da contingência e a concepção ontológica da contingência. A primeira diz que, para Deus, que tem intelecto infinito, tudo é necessário. Nós é que, por não sermos infinitos como ele, interpretamos algumas propriedades como contingentes por ignorarmos todas as suas causas. A segunda, diferencia necessidade hipotética de necessidade lógica, assim compatibilizando determinismo com contingência.

Adiante detalharemos mais a segunda concepção, com base no texto de Luis Henrique Lopes dos Santos, tentando mostrar como o sistema de Libniz atende às três condições de liberdade:

A conexão entre predicados e substâncias é anterior à vontade divina. Logo, mesmo uma ação estando determinada (necessidade hipotética), as substâncias individuais têm espontaneidade de seguir a sua natureza interna, seguindo a sua autodeterminação prévia, anterior à própria criação do melhor dos mundos possíveis. Isso validaria a condição de ESPONTANEIDADE.

Quanto a INTELIGÊNCIA, não há maiores dificuldades a tratar.

Para a CONTINGÊNCIA ser também satisfeita, tem que ser possível o oposto da referida ação, mesmo esta que não seja efetivamente realizada temporalmente. Essa possibilidade é lógica e não temporal. É o chamado “possível em si”, do plano da eternidade, que pode explicar a contingência de tal ação.

A liberdade para Leibniz é a capacidade de se guiar ao máximo a partir de sua própria essência ou natureza. E podemos questionar: a liberdade humana existe em seu sistema, no plano da eternidade, ou o “possível em si”, que garante a contingência de uma ação livre, é que se dá no plano da eternidade?


Bibliografia:

LEIBNIZ, G. H. O discurso de metafísica. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Pensadores)

SANTOS, L. H. Leibniz e os futuros contingentes. Revista Analytica. Volume 3. Número 1. 1998. pp. 91-121.



(Fabio Rocha)