Borderline - o desafio sem bordas - Fabio Rocha
“Borderline”, termo cunhado para uso na psicanálise por *Stern, significa linha de fronteira, limite. São pessoas geralmente muito inteligentes e com sensibilidade artística, intensas, que odeiam estar sozinhas. Em geral, são pessoas interessantíssimas e agradáveis quando não há envolvimento com elas (exemplo clássico: Amy Winehouse). A origem do termo remonta a alguém sem fronteira entre neurose e psicose. Quando algo tem linhas de fronteiras, tem um território com características próprias que compõem uma unidade, uma forma. Pensar sobre a questão Borderline na clínica psicanalítica implica em pensar na ausência de territorialidade, de forma fixa, de previsibilidade: uma pessoa diagnosti1cada como Borderline é alguém que carece de assentamento, de estabilidade, de fronteiras. Com uma estrutura egóica muito frágil. Transtorno de personalidade muito complexo, diferente da neurose obsessiva, da histeria e da fobia, no Borderline, o seu corpo, a sua psique e a sua existência não tem uma unidade ou uma constância. É estar e não estar. Ser e não ser. São pessoas aturdidas, transtornadas, porque encontram-se em uma posição psíquica muito desconfortável (não tem uma pousada, uma casa, um lugar delimitado e estável para ficar, para ter paz). Essa tendência a fazer de tudo para se sentir mal do Borderline ("eu não valho nada", "eu sou um coitado etc."), pode ser interpretada em algum grau como masoquismo e pode ter conexão com a tendência desses pacientes à automutilação e tentativas de suic*dio. Vaidade e arrogância são defesas dessa condição de falta de amor próprio eu herdada da falta de amor dos pais na sua infância. Há também, em geral, uma dificuldade em ter empatia. O humor é cronicamente raivoso ou melancólico. Muitas vezes substituem inveja, tristeza e outros sentimentos por raiva. E a raiva (ou mágoa) aparece tão avassaladora pela falta do ego mais forte para contê-la. Abaixo, deixo o quadro do DSM-V do transtorno:
Em Psicanálise, preferimos tratar a singularidade de cada indivíduo, não o encaixando em algum diagnóstico. (Aliás, o diagnóstico de borderline se aproxima sempre do narcisista.) Porém, pode ter sua utilidade para o tratamento clínico o diagnóstico nesses casos (border). O mesmo costuma ser difícil, muitas vezes sendo confundidos e tratados como bipolares. Porém, a forma mais fácil de detectar o caso de cada paciente é através da análise da variável tempo: o intervalo de tempo entre as mudanças de humor do Borderline é muito mais rápido, muitas vezes ocorrem várias vezes no mesmo dia. Já o Bipolar, em geral, tem fases de muitos meses ou anos alternando depressão e mania (euforia).
Pessoas Borderline foram anuladas na infância, não se sentem incluídas, pertencentes pois tiveram sua existência privada de acolhimento e posta à prova, constantemente irritadas e maltratadas por um ambiente nada acolhedor. Trata-se de pessoas que foram privadas de carinho, amor e dignidade e que tiveram que lutar e crescer a despeito de um ambiente nada hospitaleiro onde as dimensões destrutivas e violentas se mostravam além dos limites do suportável. Essa falta de proteção, cuidado, validação na infância torna esse "crescer" algo perigoso e, muitas vezes, o Borderline se mantém num aspecto infantil em vários sentidos, com um sentimento de inferioridade generalizado muitas vezes. Inseguros e quase incapazes de confiar, com o que Stern* chama de "hipersensibilidade desmedida" (coisas menos podem deixar o paciente Borderline exageradamente magoado ou irritado. Exemplo comum: atrasos). Sempre com ansiedade e insegurança (autoconfiança sempre impermanente, muitas vezes dependente de aprovação externa). O outro recebe a projeção da fonte de seu sofrimento: o outro é um inimigo e a vida é uma guerra (enxerga "panelinhas" onde não há, cria inimigos onde não há, quase chegando na psicose). Por isso, o que aparece na clínica psicanalítica como sintomas do Borderline são respostas defensivas que visam sanar ou ao menos minimizar o horror de uma vida sem estabilidade e movida pela reatividade, beirando a insuportabilidade. São pessoas como que deformadas (sem forma) em sua psiquê, que podem ser perigosas para os outros e para si mesmas, sem nenhuma tendência à diplomacia, onde há a tendência a ser TUDO OU NADA, extremado em relação às emoções (hipersensibilidade, hiper-reatividade e instabilidade afetiva). Vivem constantemente exasperados sob a ameaça de desintegração. Sempre no limite do colapso (aparelho psíquico sempre estressado). Tendência também a ter vícios e compulsões (inclusive com comida ou gasto de dinheiro excessivo), para fugir dessa sensação de desfragmentação iminente.
Quanto a relacionamentos amorosos, a tendência do Borderline é, pela ausência de fronteiras, a tendência de excessiva idealização e fusão com o objeto (na paixão, mudam até de religião para acompanhar a identidade do objeto amado) - como que para compensar a falta de um ambiente acolhedor em sua infância. Parece importantíssimo e urgente ficar com o objeto amada e, assim que consegue, o esforço passa a ser se distanciar do mesmo. Surge com o relacionamento o inferno do medo da perda do objeto e da rejeição e do abandono. O objeto ganha a função de preencher seu vazio. E a perda do objeto, em geral, é gatilho para um nível de sofrimento absurdo e reações violentas e imprevisíveis (nos ataques de fúria, fica cego de raiva e ganha força física impressionante). Para evitar essa perda, há uma tendência a excesso de controle. Ao mesmo tempo, há um esforço para perder o objeto amado (ameaçador). Como se o objeto pudesse se tornar insuportável e algo a se afastar por não ser exatamente como o idealizado (expectativas idealizadas, aliás, são em todas as áreas do paciente Borderline). Porém, na separação, com sentimento de rejeição, há muitas vezes uma repetição de: ataque violento, afastamento e culpa (auto reprovação pelo ataque violento). Muitas vezes, há tentativas de suic*dio causadas por essa culpa e incapacidade de agir e viver de uma forma diferente. Esse ciclo pode ocorrer também com amigos ou familiares. Cabe expandir isso mais claramente: não é apenas com relacionamento amoroso! "A desregulação do narcisismo ocorre quando as necessidades da criança são ignoradas, o que provoca grave alteração da autoestima ou a criação de um grandioso escudo defensivo". (Morrison) Isso causa no paciente uma dependência total de relacionamento amoroso para ser admirado e sair dessa autoestima destruída. A falta dessa essência própria faz depender de outros para se sentir alguém. Muitas vezes nem só relacionamento amoroso (costuma ter muito ciúmes de amigos, por exemplo). Dependente demais do OLHAR DO OUTRO para validá-lo. Uma busca desesperada por vínculo, mas assim que este se estabelece, o outro passa a ser uma ameaça. Pois esse outro pode trair, pode ferir mais que qualquer outra pessoa agora que se estabeleceu o vínculo. Muitas vezes, impulsivamente, o borderline termina a relação, Porém, depois o sofrimento é tamanho que tenta voltar aceitando qualquer condição.
A psicanálise pode ser uma forma efetiva de melhora da qualidade de vida de tais pacientes. Esse artigo trabalha esta questão: https://meriva.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16120/2/Adesao_a_tecnica_psicanalitica_no_processo_de_psicoterapia_com_uma_paciente_borderline.pdf
Em geral, a relação com o analista tende a ser de muita dependência, com o analista sendo colocado no lugar dos pais para uma criança pequena, sendo uma grande responsabilidade para o analista. Há a tendência a endeusar a figura do analista e muita demanda por atenção em momentos de crise. Em geral, antes de entrar com o paciente no processo de psicanálise clássica, distante e fria (seguindo o conselho freudiano de "O paciente deve ser deixado com desejos insatisfeitos em abundância. É conveniente negar-lhe precisamente aquelas satisfações que mais intensamente deseja e que mais importunamente expressa." - texto "Linhas de progresso na terapia analítica", de 1918).
O silêncio excessivo do analista, particularmente, ou mostrar-se sempre impassível, com excesso de formalidade e distância pode beirar o insuportável para o paciente Borderline. Conforme orienta Stern*, é preciso de um longo período focado em apenas apoio e cuidado psicológico para aumentar o grau de estabilidade, confiança e conforto do paciente. (Até para evitar uma piora, a entrada em um um surto psicótico ou o suic*dio). Ao mesmo tempo, nesse período inicial, foco na transferência. Vai na mesma direção Zimerman, que, em seu "Manual da Técnica Psicanalítica" (p. 68), diz: "Em se tratando de pacientes muito regressivos, como é o caso de crianças autistas, F. Tustin (1981) sugere que o setting analítico deve ser visto como uma incubadora, na qual o 'prematuro psicológico' possa encontrar as gratificações básicas - calor, compreensão, amor e paz - que a criança ainda não realizou, porquanto, desde o nascer, ela ainda não teve as condições ambientais mínimas para satisfazê-las. trata-se de pacientes que necessitam da presença viva de um objeto externo (no caso, o terapeuta) que, tal como um 'útero psicológico', acolha, aqueça, proteja e estimule [...]".
É cada vez mais importante esse cuidado e preparação dos profissionais, pois há atualmente um número crescente de analisandos com características do transtorno de personalidade Borderline. Dentre eles, muitos adolescentes. Alguns psiquiatras chegam a contraindicar a psicanálise para os quadros limítrofes (Border). As linhas de Winnicott e de Ferenczi, por exemplo, onde o psicanalista é menos o "espelho" mal interpretado de Freud (imóvel, distante, impassível, frio e calado demais) e mais uma mãe imaginária acolhedora pode ser um tipo de clínica mais adequado para este caso, principalmente nos primeiros momentos do tratamento. Através do reviver e do incorporar uma nova forma de relacionamento com a figura materna (principalmente) na clínica, pode-se construir uma forma de sair da repetição do ciclo de afastamento violento e culpa posterior dos relacionamentos do Borderline. Com base na aliança com o psicanalista, que deve suportar os excessos do paciente Borderline.
Um poema meu sobre o tema border: https://poesia-fabio-rocha.blogspot.com/2022/09/o-incuravel-super-heroi-borderline.html
1) Que Exterioriza (mais chance de ameaça aos outros, raiva, agressões etc.)
Material complementar:
* Artigo de Adolf Stern sobre Borderline
Transtorno de Personalidade Limítrofe (TPL) (novo nome do transtorno Borderline)
Borderline: Disfunções Cognitivas | Emocionais | Comportamentais | Pessoal
Melhor vídeo que achei em Português sobre Borderline
Vídeo para pais atualíssimo, considerando os malefícios do celular e da falta de limites e o índice alarmante de aumento dos suic*dios em crianças e adolescentes:
https://youtu.be/wXPde553o-U?si=G3S5kMxQSA_ljI0r