Transferência, Contratransferência e outros conceitos psicanalíticos

Transferência, Contratransferência e outros conceitos psicanalíticos - Fabio Rocha


INTRODUÇÃO

A psicanálise é um processo que busca, dentre outras coisas, promover a compreensão e o desenvolvimento emocional dos indivíduos, através de sua auto escuta e retomada de posse de seu desejo. Ao longo desse processo, diversos temas e conceitos se mostram relevantes para a compreensão e eficácia da análise. 

Tanto Freud quanto Lacan reconhecem a importância da transferência, embora suas concepções sobre o assunto difiram em alguns aspectos. Neste trabalho, examinaremos os tipos de transferência propostos por cada um desses teóricos, destacando suas semelhanças e diferenças, e exploraremos outros temas relacionados à prática psicanalítica. Estar aberto para a escuta empática é fator primordial para o manejo clínico. O que pode parecer  irrelevante para o analisando não necessariamente seria na visão do psicanalista.

A transferência é um importante elemento no processo analítico. Por meio dela, o analisando dirige ao analista emoções, desejos e fantasias inconscientes, como se este fosse uma significativa figura do seu passado. Para Freud, ela é a repetição de padrões relacionais, baseada em experiência infantis recalcadas. Ainda, é a carga de libido que o indivíduo parcialmente insatisfeito, dirige ao seu médico (analista). Lacan, por sua vez, dizia ser a materialização de uma operação que se relaciona com o engano, no qual o analisando coloca o analista no lugar do sujeito suposto saber. Após, passou a defini-la como uma encenação, através da experiência analítica, da realidade do inconsciente. 

Tipos de Transferência em Freud

Freud delineou vários tipos de transferência em sua obra. 

A transferência positiva é caracterizada por sentimentos de afeto e admiração direcionados ao analista. O paciente pode idealizar o terapeuta e esperar dele uma solução para seus problemas. 

Por outro lado, a transferência negativa envolve sentimentos hostis, raiva e descontentamento em relação ao analista. Esses sentimentos são frequentemente associados a experiências passadas do paciente, transferindo-as para a figura do terapeuta.

Freud também descreveu a transferência erótica, na qual o paciente projeta sentimentos eróticos em relação ao analista, muitas vezes repetindo padrões de relacionamentos passados. Essa transferência pode ser desafiadora tanto para o paciente quanto para o analista, pois envolve a exploração de desejos e fantasias sexuais.

Tipos de Transferência em Lacan

Lacan trouxe contribuições significativas para a compreensão da transferência. Para ele, a transferência é estruturada como uma relação imaginária, simbólica e real entre o analista e o paciente. Ele destaca a transferência imaginária, que é baseada na identificação do paciente com o analista. Aqui, o paciente pode projetar características e desejos em relação ao analista, buscando se tornar semelhante a ele.

A transferência simbólica, por sua vez, envolve a atribuição de significado e sentidos ao analista. O paciente pode conferir ao analista um papel simbólico, atribuindo-lhe poder ou autoridade na relação terapêutica. 

Já a transferência real está relacionada à dimensão da falta e da castração. Nesse tipo de transferência, o paciente confronta a falta no Outro, reconhecendo que o analista também é falível e limitado.

A contratransferência é a resposta emocional e pessoal do analista ao paciente. Ela pode influenciar a dinâmica da relação terapêutica e requer uma análise cuidadosa para evitar que prejudique o tratamento. Laplanche e Postalis, in “Dicionário de Psicanálise”, afirmam que a contratransferência é o “conjunto de reações inconscientes do analista à pessoa do  analisando e, mais particularmente, à transferência deste”.


A aliança terapêutica refere-se à relação de confiança e colaboração estabelecida entre o analista e o paciente. É fundamental para o progresso e a eficácia do processo terapêutico.  Sobre a escolha do Psicanalista, J-D. Násio diz: “Eis o que determina a escolha do terapeuta: a secreta convicção de que me compreendeu e que está prestes a me acompanhar” (in “Um Psicanalista no divã”).

A resistência é um fenômeno comum na psicanálise, referindo-se à tendência do paciente em evitar ou dificultar a análise de conteúdos reprimidos. A resistência pode se manifestar de várias maneiras e requer sensibilidade por parte do analista para identificá-la e trabalhá-la. 

O divã é o objeto físico onde o paciente pode se deitar sem ver o analista (de costas), durante a sessão psicanalítica. Também é o nome desta técnica. Essa posição favorece a livre associação e o acesso a conteúdos inconscientes, aumentando a liberdade, as transferências e o conforto, dependendo do paciente, que deve experimentar essa técnica num momento oportuno e escolher mantê-la ou não. E hoje nos deparamos com o
“divã virtual”. A pandemia da Covid-19 trouxe-nos uma outra realidade. Passamos a inserir novas tecnologias na dinâmica analítica e ainda estamos nos adaptando a este novo modelo que se revela bastante eficaz para determinados casos, aumentando, em outros, as resistências do analisando. Estamos a desafiar a nossa capacidade de adaptação, sempre
com o objetivo de auxiliar o analisando na compreensão dos conflitos (comumente surgidos no passado e submersos no inconsciente), no afrouxamento da rigidez egóica e  o estabelecimento de uma melhor relação com o objeto do desejo!

A paixão pela ignorância refere-se à disposição do paciente em se manter inconsciente de certos aspectos de si mesmo. A resistência do analisando, que busca evitar o confronto com aspectos indesejáveis. Essa "paixão" pode ser um obstáculo para o processo terapêutico, exigindo do analista uma abordagem cuidadosa e atenta.

Outros Conceitos:

SIMBOLIZAÇÃO NA ANÁLISE
A simbolização na análise refere-se à capacidade do paciente de expressar e compreender simbolicamente suas experiências internas e externas. Os símbolos desempenham um papel importante na análise, permitindo que o inconsciente seja acessado e trabalhado de forma mais profunda. Freud chamava a interpretação dos símbolos dos sonhos como a “via régia para o inconsciente”. Os sonhos, para ele, eram representações de desejos inconscientes.

DESEJO NA ANÁLISE
O desejo na análise é a força motivadora que impulsiona o paciente (o analisando)  a buscar mudanças e transformações pessoais. É por meio do desejo que o processo analítico se desenvolve, uma vez que o paciente se engaja na busca de soluções para seus conflitos e dificuldades. Lembrando sempre que o desejo é parte constituinte do ser humano segundo a visão psicanalítica, e que ele nunca vai ser satisfeito. E isso nos coloca em movimento para a busca constante de novas experiências.

SATISFAÇÕES SUBSTITUTAS
As satisfações substitutas são formas de satisfação que podem surgir como substitutos de desejos insatisfeitos. Durante a análise, é comum que o paciente experimente satisfações substitutas como uma forma de lidar com a frustração ou como uma estratégia inconsciente de evitar a mudança real.

FRUSTRAÇÃO NA ANÁLISE
A frustração na análise está relacionada às dificuldades e obstáculos que podem surgir no caminho do paciente durante o processo terapêutico. A análise pode despertar emoções intensas e desconfortáveis, desafiando a resistência do paciente e exigindo esforço e perseverança. Muitas vezes o paciente não quer ver o que está em seu inconsciente e o processo de trazer à tona esses objetos pode proporcionar em muitas fases da psicanálise algum desconforto. 

LIBERDADE NA ANÁLISE
A liberdade na análise é essencial para que o paciente se sinta à vontade para explorar e expressar seus pensamentos e emoções mais profundos. O ambiente terapêutico deve ser acolhedor, seguro e livre de julgamentos, proporcionando ao paciente a oportunidade de se conhecer e se transformar. A construção do setting analítico visa a criação e manutenção de um espaço onde o analisante possa trazer o que quiser e, invariavelmente, o que nem imaginava. O processo se dá pela estruturação de um ambiente ético, acolhedor e sem
julgamentos.

ÉTICA DO BEM-DIZER
A ética do bem-dizer refere-se à importância de uma comunicação ética, respeitosa e empática entre o analista e o paciente. O terapeuta deve ser sensível às necessidades e limites do paciente, utilizando o poder das palavras para promover o bem-estar e a compreensão mútua.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a ajuda do entendimento desses conceitos, é possível criar um ambiente terapêutico propício ao crescimento e desenvolvimento emocional do paciente. É essencial que os profissionais da área da psicanálise estejam atentos a essas questões e busquem aprimorar constantemente suas práticas clínicas, visando sempre o bem-estar e a saúde mental dos indivíduos. O desenvolvimento de um espaço onde o analisante se sinta à vontade para falar sobre efetivamente tudo o que lhe vier à mente pode propiciar momentos e revisitas sobre afetos, agora sob uma nova perspectiva.

Psicopatologia Psicanalítica

Psicopatologia Psicanalítica - Fabio Rocha



Patologia vem do grego “Pathos”, mesma origem da palavra “paixão”. Pathos, para os estóicos, seria um grau de percepção de forma subjetiva, pessoal. Uma imagem específica e individual da natureza da alma. Já o Epicurismo interpretou o Pathos em situações mais corriqueiras, sob a visão do princípio do prazer (que não tem relação com o “princípio do prazer” de Freud).  A experiência e o aprendizado do Pathos estariam relacionados com o prazer, o desprazer e a variação de emoções para os Epicuristas (momento histórico menos maniqueísta). Além de uma visão dual de bem e mal, simplista, os Epicuristas enxergam o Pathos como uma dinâmica de vida mais complexa. Para Aristóteles, que trabalhou o conceito de Pathos dentro da retórica (arte de falar, de emocionar e de persuasão). Em resumo:


  1. Estoicismo - Pathos como estado de espírito (subjetivo)

  2. Epicuro - Pathos como a variação de emoções das pessoas

  3. Aristóteles - Pathos como a influência que o retórico exerce sobre as emoções do público (exercício de autoconhecimento)


A relação disso com a questão da doença está na subjetividade, nas emoções, nos graus de percepção de si e do mundo, da relação com os pontos sensíveis da existência de cada ser humano. Nossos graus de percepção teriam alguns aspectos em comum. Pessoas com visões de mundo ou formas sensoriais de mundo parecidas com a nossa geram uma sensação de reconhecimento. “O pathos está ligado ao modo afetivo que cada indivíduo constrói para estar no mundo, dizendo respeito não somente às questões de desequilíbrio, mas estando presente também no dia-a-dia do sujeito e de sua cultura. Essa disposição subjetiva individual resultará na maneira como o sujeito lidará com a realidade: se com mais ou menos sofrimento, se com mais ou menos contato com essa realidade e de maneira mais rígida ou flexível.” - apontamento feito pelos Psicanalistas Tania Inessa e José Carlos Filho em “A patologia como possibilidade estruturante do sujeito: uma releitura da questão phatica”.


Historicamente, houve uma evolução na forma como eram encaradas as doenças mentais. Na idade média, a Igreja e a religião viam influências espirituais nessas doenças (baseada em folclore, superstição, eventos sobrenaturais, bruxaria, curandeirismo, possessões etc.). Apesar dessa visão ainda perdurar em alguns meios, com o Iluminismo, passa-se a trabalhar na cura da doença mental. no século XIX surgem os manicômios para seu tratamento. É quando surge Freud e as bases da Psicanálise. Freud questiona a visão de sua época de doença mental como excesso ou desvio.


Patologia é o estudo das causas e efeitos de doenças e de lesões. Para a psicanálise, Freud partiu do estudo das defesas da repressão para construir o extrato da patologia psicanalítica. Freud estudava a histeria inicialmente, junto com Breuer. A ideia fixa, representação obsessiva e o delírio, típicos da histeria foram posteriormente enquadrados na psicose. Na psiquiatria, teremos uma tentativa maior de enquadramento das doenças mentais a psicopatologias específicas. 


A psicopatologia pode ser entendida com o estudo das doenças anormais, sendo esse grau de normalidade determinado pela época. Vários comportamentos são vistos como doença ou não conforme a época. A norma social é um registro inicial do que se pode denominar como psicopatologia. 


Há duas formas de observação na psicopatologia. Na psicopatologia descritiva, há uma observação dos sintomas relatados pela pessoa. Baseia-se na fenomenologia. Um sintoma dentro de um contexto social, econômico e político. Na psicopatologia explicativa, busca-se encontrar explicações para certos tipos de sintomas de acordo com modelos teóricos (exemplo: TCC - terapia cognitivo comportamental). 


A psicopatologia para outras áreas difere da psicopatologia para a Psicanálise. A psicanálise tem uma visão dualista, baseada em Descartes: alma/mente (inconsciente) versus corpo/matéria (consciente). Para as outras áreas (que não consideram o inconsciente), a visão é mais monista: processos físicos, elétricos e químicos do cérebro. Mais facilmente observável em dados. Esta visão é a da psiquiatria e medicina e pode ocasionar o problema da hipermedicação, como ocorre hoje em todo o mundo e nos Estados Unidos, principalmente. Ainda nessa área que desconsidera o inconsciente, a neurociência tem mostrado estudos comprovando os benefícios da meditação para algumas doenças. 


A grande categorização na psicopatologia psicanalítica:


  • Neurose - “doença dos nervos” - maioria das pessoas tem. doenças psicossomáticas. sintomas simbólicos de conflito psíquico. raízes infantis. 


  • Psicose - algo que a mente não consegue suportar e cria uma realidade diferente.

  • Perversão - sem castração na infância. realiza todos os desejos. (realiza o que o neurótico apenas deseja). tem prazer no sofrimento do outro. OBS.: Pode ser um narcisista - senso de superioridade e foco em si mesmo (mas nem todo narcisista é perverso). Pode ser um psicopata (dificuldade de sentir empatia ou remorso, crueldade).


Subdivisões da Neurose: Obsessiva (sintomas compulsivos gerando ciclo repetitivo), Histeria (transtorno psíquico que resulta em somatização ou angústia) e Fobia (situação ou objeto externo específico. Ex: aracnofobia).

Subdivisões da Psicose: Paranoia (delírios de sofrer ameaça ou perseguição), Esquizofrenia (delírios, alucinações, pensamento e fala desorganizados e comportamento bizarro e inadequado), Melancolia (tristeza profunda e prolongada - estado mórbido caracterizado pelo abatimento mental e físico, hoje considerado mais como uma das fases da psicose maníaco-depressiva.) e Autismo (na atualidade é considerado um distúrbio global do desenvolvimento e muitos o consideram uma "invenção" da psicopatologia moderna).

Subdivisões da Perversão: Fetichismo (adoração por objeto ou parte do corpo), Parafilia (relação de dor ou sofrimento - sadismo, masoquismo, pedofilia...) e Adicção (dependência biopsicossocial).

OBS.: O psicanalista não faz diagnóstico ou passa remédios (quem pode fazer é psiquiatra), porém esse conhecimento das patologias (e também dos remédios) pode ser útil no processo de análise. Da mesma forma, o bom psicanalista não julga ou aconselha, cabendo esta função para alguns psicólogos que trabalham assim. A psicanálise vai além da descrição dos sintomas, explorando os desejos e motivações subjacentes e procurando ajudar o sujeito na compreensão dos conflitos e na promoção de mudanças nos padrões disfuncionais – o que implica na redução dos sintomas.


A Psicanálise Contemporânea

Psicanálise Contemporânea - Fabio Rocha


A clínica nos dias atuais, após mais de cem anos de Freud “descobrir” o inconsciente, se apresenta na contemporaneidade como um encontro mediado pela palavra. Independentemente da escola. A palavra do analisando, que  carrega com ela afetos, emoções.

O papel ético do psicanalista é proporcionar esse livre discurso. Escutar. O analisando deve falar livremente sobre seus pensamentos, experiências, sentimentos, sem qualquer julgamento ou censura por parte do analista. Com isso, ele poderá melhor compreender seus conflitos e promover mudanças nos padrões disfuncionais. Para que o analisando possa reconfigurar a sua percepção de si mesmo. Ao ouvir a si mesmo, perceber como conta sua própria história e através disso acessar seu inconsciente. A técnica principal é a escuta ou atenção flutuante (escuta ou atenção flutuante refere-se ao estado especial de consciência de que o terapeuta necessita para ser capaz de ouvir o paciente e detectar o que há de mais significativo em sua história).

Assim, acaba-se chegando a causa que leva a expressão de sintomas. 

Para se estabelecer essa relação com sucesso, o analista precisa estar bem consigo mesmo, com sua própria escuta. Daí a importância de também ser analisado. O tripé psicanalítico segue como base nos dias atuais: teoria, análise pessoal e supervisão. Principalmente nos tempos atuais, desenvolver a arte da escuta, sem que algo do próprio analista se revele, requer que o analista tenha muito tempo de qualidade como analisando.


O analisando sempre tem um desejo pelo não saber. A tensão gerada pelo desejo e a impossibilidade de obter o que deseja. O indivíduo procura a análise buscando a diminuição de sua angústia, não de entrar em contato com seus conteúdos inconscientes. Conhecer-se, estar próximo de si é algo de que fugimos naturalmente. O psicanalista, necessariamente, precisa tocar em pontos que o analisando não quer olhar. Não quer falar sobre. Não que deixar acontecer a catarse. O neurótico tende sempre a evitar. Muitas vezes, neste processo, vai ficando claro que seus desejos muitas vezes não são desejos dele, mas dos pais, da sociedade, de outros. E não é fácil chegar nesse ponto de desconstrução, possibilitando uma ressignificação do olhar sobre si mesmo. Aí começa a mudança.


Hoje, devemos manter o foco nas resistências do analisando. A angústia que o traz para a análise, falta de sentido ou entendimento, sensação de vazio sem um objeto claro. (Quando há um objeto claro, é fobia.) O analisando vive na evitação de ambas. E a importância da psicanálise hoje é justamente essa: se aprofundar, sem pressa, de modo a tratar as causas. Diferentemente de outros tratamentos que só visam melhorar os sintomas, as angústias e fobias, sem trabalhar de forma mais profunda (e - podemos dizer - até filosófica) em suas causas. Curiosamente, em situação de paixão ou ódio, também sofremos um tipo de evitação. A pessoa não quer saber de mais nada, o foco se resume ao objeto, o outro (muito mais imaginário do que real). Há uma evitação também de qualquer outra coisa fora desse foco de paixão ou ódio. Inclusive de conhecer o outro real ou a si mesmo. Muitas vezes, essa “cegueira” causa tantos transtornos na vida da pessoa, que ela busca a psicanálise.


OBS.: Ao se aproximar das questões, a angústia aumenta. É normal. Nessa hora, cabe ao analista o manejo para impedir a fuga, a quebra do setting analítico e do atendimento em psicanálise. Pois passar por essa angústia é uma fase necessária para proporcionar a mudança que o analisando tanto quer em sua vida.

Lacan

Lacan - Fabio Rocha


Lacan, considerado um dos mais importantes psicanalistas do século XX, propôs uma releitura da teoria freudiana, trazendo novas perspectivas e renovando o campo da psicanálise.


Retorno a Freud: A Reconstrução da Teoria


Um dos principais pontos de partida de Lacan foi o retorno a Freud. Ele considerava que a psicanálise havia se afastado dos princípios fundamentais propostos por Freud e defendia a necessidade de uma reconstrução teórica. Lacan resgatou conceitos como o inconsciente, o complexo de Édipo e a importância da sexualidade na constituição do sujeito. Sua abordagem teve como objetivo retomar a radicalidade e a potência revolucionária da teoria freudiana.


A Escuta para Lacan: A Importância da Palavra


Outro conceito central em Lacan é a escuta. Para ele, o analista deve acolher a palavra do analisando de forma atenta e cuidadosa, estando aberto àquilo que emerge do inconsciente. A escuta lacaniana é uma escuta diferenciada, que busca captar não apenas o conteúdo manifesto da fala, mas também os significantes que se articulam na cadeia discursiva do sujeito.


A Próxima Sessão: O Trabalho da Análise


Lacan introduziu o conceito de "próxima sessão", que se refere ao processo de continuidade da análise. Para ele, a análise não se limita ao espaço do consultório, mas se estende para além dele, atravessando a vida cotidiana do analisando. A próxima sessão é o momento em que o sujeito tem a oportunidade de dar prosseguimento ao trabalho analítico, de refletir sobre o que foi discutido e de lidar com as questões que emergiram.


O Que Quer Lacan: A Busca do Desejo


Uma pergunta recorrente na obra de Lacan é "o que quer Lacan?". Para ele, o desejo é central na constituição do sujeito e na psicanálise. Lacan entende o desejo como uma falta fundamental que impulsiona o sujeito a buscar algo além do que é imediatamente dado. O desejo está relacionado à falta de completude do sujeito e à busca por um sentido e uma satisfação que nunca se realizam plenamente.


Sujeito e Assujeitamento: A Construção Identitária


Lacan propôs uma concepção do sujeito como sendo dividido e descentrado. Para ele, o sujeito não é uma entidade unitária e estável, mas sim uma construção em constante movimento. Além disso, Lacan abordou o assujeitamento, ou seja, o processo pelo qual o sujeito se submete às demandas e às normas sociais, internalizando as identificações e os ideais do outro. Nesse sentido, o sujeito se constitui através de um constante jogo de reconhecimento e alienação, buscando se adequar aos padrões e às expectativas estabelecidas pela sociedade.


Ao considerar o sujeito como dividido, Lacan destacou a presença do inconsciente e a existência de conteúdos reprimidos e recalcados que influenciam o funcionamento psíquico. O inconsciente é o lugar das pulsões e dos desejos reprimidos, que buscam se manifestar através de sintomas e lapsos. Essa compreensão do sujeito como dividido também está relacionada à ideia de falta, uma vez que o sujeito é marcado pela incompletude e pela busca constante de satisfação.


No processo de assujeitamento, o sujeito internaliza as normas e os valores da sociedade, adotando determinados papéis e identificações que influenciam sua forma de ser e de se relacionar com o mundo. No entanto, Lacan questionou a ideia de que o sujeito poderia alcançar uma identidade plenamente coerente e estável, destacando a presença de contradições e de um caráter inconsciente e simbólico na construção identitária.


Em suma, a concepção de sujeito e assujeitamento em Lacan aponta para a complexidade da construção identitária e para a presença do inconsciente e do simbólico na constituição subjetiva. O sujeito é uma entidade em constante movimento, marcada pela falta e pela divisão, e sua relação com o outro e com as normas sociais influencia sua forma de ser e de se posicionar no mundo. A análise lacaniana busca trazer à tona essas dimensões inconscientes e simbólicas, possibilitando ao sujeito uma reflexão crítica sobre sua identidade e um movimento em direção à autonomia e à transformação subjetiva.


Críticas à Psicanálise: A Relação com Outros Campos do Conhecimento


A obra de Lacan também recebeu críticas e suscitou debates dentro e fora da psicanálise. Alguns questionaram a linguagem complexa e hermética utilizada por Lacan, o que dificultava o acesso e a compreensão de suas ideias por parte de muitos leitores. Além disso, houve críticas em relação à suposta falta de empirismo de sua abordagem e à ênfase dada ao simbólico e ao estrutural em detrimento do aspecto individual e das experiências concretas dos pacientes.


Significante e Significado: A Dimensão Linguística do Inconsciente


Lacan introduziu o conceito de significante e significado como elementos fundamentais para a compreensão do funcionamento do inconsciente. O significante é um termo linguístico que representa uma unidade de significação, enquanto o significado é o conteúdo simbólico atribuído a esse termo (interpretação pessoal). Para Lacan, é na cadeia de significantes que o inconsciente se manifesta, revelando as marcas e os conflitos que afetam o sujeito.


Primazia da Metáfora e Metonímia: A Lógica do Inconsciente


Outro conceito importante na teoria lacaniana é a primazia da metáfora e da metonímia. A metáfora é uma figura de linguagem que consiste na substituição de um termo por outro, enquanto a metonímia é uma figura de linguagem que se baseia na associação de termos relacionados. Lacan argumentou que o inconsciente opera por meio desses processos, revelando as transformações e as associações que ocorrem nas representações simbólicas.


Cadeia de Significados: A Construção do Sentido


Lacan propôs a ideia de que o sentido não está dado previamente, mas é construído por meio da cadeia de significantes. Ele argumentava que os significantes se relacionam uns com os outros de maneira contínua, criando um fluxo de significados que moldam nossa experiência e nossa subjetividade. A compreensão do sentido, para Lacan, depende da capacidade de perceber as articulações e os deslocamentos que ocorrem nessa cadeia de significantes. as identificações e os ideais do outro.


A Abordagem do Real, Simbólico e Imaginário na Psicanálise de Lacan


Jacques Lacan, renomado psicanalista do século XX, trouxe importantes contribuições para a compreensão do funcionamento psíquico, introduzindo os conceitos de Real, Simbólico e Imaginário em sua teoria. Esses três registros são fundamentais para a compreensão da subjetividade e da constituição do sujeito.


O Real é um dos pilares da teoria lacaniana e representa o domínio do impossível, do irrepresentável. Trata-se de uma dimensão que escapa à simbolização e à linguagem, não podendo ser plenamente conhecida ou representada. O Real se manifesta por meio de traumas, angústias e momentos de ruptura, que confrontam o sujeito com a falta e a incompletude.


O Simbólico, por sua vez, é o registro da linguagem e da cultura. É nesse registro que os significantes, unidades de significação, são articulados para formar cadeias de sentido. O Simbólico é o espaço onde a subjetividade é moldada e constituída pela entrada do sujeito na ordem simbólica. É através do acesso à linguagem e à cultura que o sujeito se torna sujeito desejante, inserido em um campo de relações e significados compartilhados.


O Imaginário, terceiro registro proposto por Lacan, refere-se ao mundo das imagens, das representações visuais e das identificações. Nesse registro, o sujeito se percebe como um eu unificado e coerente, construindo uma imagem idealizada de si mesmo. O Imaginário está relacionado à formação das identidades e das relações de identificação com outros indivíduos e com imagens idealizadas, como a imagem do corpo ideal, por exemplo.


Esses três registros não são independentes, mas estão interconectados e influenciam-se mutuamente. O Simbólico e o Imaginário são mediadores entre o sujeito e o Real, buscando estabelecer uma relação com o impossível, seja através da simbolização, da criação de imagens ou da elaboração de significados.


Para Lacan, a saúde psíquica envolve a capacidade do sujeito de lidar com a falta e a incompletude do Real, sem sucumbir à alienação imaginária ou à submissão excessiva ao Simbólico. A análise, nesse sentido, tem como objetivo possibilitar ao sujeito uma relação mais autêntica com o Real, permitindo uma transformação subjetiva e o acesso a uma nova maneira de lidar com suas questões e desejos.


Em síntese, a abordagem do Real, Simbólico e Imaginário na teoria lacaniana proporciona um olhar complexo e profundo sobre a subjetividade humana. Esses três registros são elementos-chave para a compreensão da constituição do sujeito, das relações de poder e da dinâmica do inconsciente. A análise lacaniana propõe o desvelamento desses registros e a possibilidade de transformação subjetiva, oferecendo um caminho para o sujeito lidar com as suas questões mais íntimas e encontrar sua própria verdade.


Outros conceitos em Lacan:


O estágio do espelho é um conceito fundamental em Lacan. Ele descreve um momento crucial no desenvolvimento humano em que a criança reconhece sua imagem refletida no espelho. Esse reconhecimento é um passo importante na formação da identidade, em que a criança percebe-se como um ser separado do ambiente.

O estádio (ou estágio) do espelho é elencado em três momentos: O primeiro momento é caracterizado pelo estranhamento da própria imagem; o segundo é caracterizado pela fase de transitoriedade; o terceiro é marcado pelo reconhecimento do próprio reflexo, este produzido pelo espelho ou pelos semelhantes humanos.


O espelho e o imaginário estão intimamente relacionados. Através da imagem especular, o sujeito constrói uma identidade baseada na aparência física e na percepção dos outros. O espelho desempenha um papel central na constituição do imaginário, que é um domínio em que as imagens e as fantasias são formadas.

No entanto, nem sempre essa formação da identidade ocorre de maneira saudável. O espelho patológico refere-se a distorções na formação do eu, resultando em uma imagem negativa de si mesmo. Essas distorções podem levar a distúrbios psicológicos e dificuldades na construção saudável da identidade.

A alienação imaginária é um processo pelo qual o sujeito se identifica com uma imagem idealizada, muitas vezes imposta pelo outro. Isso pode levar à perda de autonomia e à busca contínua de validação externa.


A referência do sujeito explora como o sujeito busca reconhecimento e identificação através do outro, situando-se em relação aos significados e valores estabelecidos pela sociedade.

Lacan também enfatiza a importância da linguagem na constituição do inconsciente. O inconsciente é estruturado como uma linguagem, onde os desejos e os conteúdos reprimidos são expressos por meio de símbolos e metáforas. A ordem simbólica é o domínio onde a linguagem e os sistemas de significação estruturam a realidade e regulam as relações sociais. Ele utiliza as formações do inconsciente estudadas por Freud, destacando a dimensão simbólica. Realiza o esforço de uma formalização que ao mesmo tempo começa pensar o particular do sintoma. Traz essas formações do inconsciente como um meio de expressão que coloca a palavra em movimento. Uma das marcas de Lacan em seu retorno a Freud é o estabelecimento dessa estrutura para o inconsciente em que a nova abordagem permite.

O nome do pai representa a função paterna e sua influência na organização do sujeito. Ele desempenha um papel na interdição do incesto e na entrada do sujeito na ordem simbólica.

O significado prévio molda as experiências e interpretações do sujeito, sendo influenciado pela cultura, pela linguagem e pelas estruturas sociais.

Outros temas abordados por Lacan incluem o registro do imaginário, que é um domínio onde as imagens e as fantasias são formadas; a polifonia do discurso, que se refere à multiplicidade de vozes e significados presentes na linguagem; a noção de distância, que influencia a relação do sujeito com o mundo; o eu e o sujeito, explorando a relação entre o eu individual e o sujeito do inconsciente; o espaço da palavra, que é um campo de expressão e comunicação; a fantasia, como uma forma de lidar com os desejos inconscientes;

O grande outro é um conceito que representa a dimensão do outro como uma instância simbólica e a influência que exerce sobre o sujeito. Já o pequeno outro refere-se à figura do outro na interação cotidiana, na relação interpessoal.

Um aspecto importante na teoria de Lacan é o nó borromeano que representa a articulação dos registros simbólico (S), imaginário (I) e real (R).



Imaginário e simbólico são dois conceitos importantes na teoria de Jacques Lacan sobre a psicanálise. Vamos começar com o imaginário.


Imaginário significa tudo o que nós conseguimos ver e imaginar com a nossa mente. É como criar imagens em nossa cabeça, como quando pensamos em algo ou sonhamos acordados. O imaginário está relacionado com a nossa capacidade de criar e visualizar coisas que não estão presentes fisicamente. É como se fosse um mundo de fantasia dentro de nós.


Agora, vamos falar sobre o simbólico. O simbólico está relacionado com as palavras, os símbolos e as regras que usamos para nos comunicar. Quando falamos, escrevemos ou até mesmo usamos gestos, estamos usando símbolos para expressar nossos pensamentos e sentimentos. Por exemplo, quando falamos "gato", essa palavra é um símbolo que representa um animal de estimação com quatro patas e bigodes.


Então, a diferença entre o imaginário e o simbólico é que o imaginário está mais relacionado com a nossa imaginação e com as imagens que criamos em nossa mente, enquanto o simbólico está mais relacionado com as palavras e os símbolos que usamos para nos comunicar com os outros.


Para resumir, o imaginário é o mundo das imagens em nossa mente, como sonhos e fantasias, e o simbólico é o mundo das palavras e símbolos que usamos para nos comunicar. Ambos são muito importantes para entender como nossa mente funciona e como nos relacionamos com o mundo ao nosso redor.


Esses registros são interdependentes e sua estabilidade é essencial para a integração psíquica:


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