Transferência, Contratransferência e outros conceitos psicanalíticos

Transferência, Contratransferência e outros conceitos psicanalíticos - Fabio Rocha


INTRODUÇÃO

A psicanálise é um processo que busca, dentre outras coisas, promover a compreensão e o desenvolvimento emocional dos indivíduos, através de sua auto escuta e retomada de posse de seu desejo. Ao longo desse processo, diversos temas e conceitos se mostram relevantes para a compreensão e eficácia da análise. 

Tanto Freud quanto Lacan reconhecem a importância da transferência, embora suas concepções sobre o assunto difiram em alguns aspectos. Neste trabalho, examinaremos os tipos de transferência propostos por cada um desses teóricos, destacando suas semelhanças e diferenças, e exploraremos outros temas relacionados à prática psicanalítica. Estar aberto para a escuta empática é fator primordial para o manejo clínico. O que pode parecer  irrelevante para o analisando não necessariamente seria na visão do psicanalista.

A transferência é um importante elemento no processo analítico. Por meio dela, o analisando dirige ao analista emoções, desejos e fantasias inconscientes, como se este fosse uma significativa figura do seu passado. Para Freud, ela é a repetição de padrões relacionais, baseada em experiência infantis recalcadas. Ainda, é a carga de libido que o indivíduo parcialmente insatisfeito, dirige ao seu médico (analista). Lacan, por sua vez, dizia ser a materialização de uma operação que se relaciona com o engano, no qual o analisando coloca o analista no lugar do sujeito suposto saber. Após, passou a defini-la como uma encenação, através da experiência analítica, da realidade do inconsciente. 

Tipos de Transferência em Freud

Freud delineou vários tipos de transferência em sua obra. 

A transferência positiva é caracterizada por sentimentos de afeto e admiração direcionados ao analista. O paciente pode idealizar o terapeuta e esperar dele uma solução para seus problemas. 

Por outro lado, a transferência negativa envolve sentimentos hostis, raiva e descontentamento em relação ao analista. Esses sentimentos são frequentemente associados a experiências passadas do paciente, transferindo-as para a figura do terapeuta.

Freud também descreveu a transferência erótica, na qual o paciente projeta sentimentos eróticos em relação ao analista, muitas vezes repetindo padrões de relacionamentos passados. Essa transferência pode ser desafiadora tanto para o paciente quanto para o analista, pois envolve a exploração de desejos e fantasias sexuais.

Tipos de Transferência em Lacan

Lacan trouxe contribuições significativas para a compreensão da transferência. Para ele, a transferência é estruturada como uma relação imaginária, simbólica e real entre o analista e o paciente. Ele destaca a transferência imaginária, que é baseada na identificação do paciente com o analista. Aqui, o paciente pode projetar características e desejos em relação ao analista, buscando se tornar semelhante a ele.

A transferência simbólica, por sua vez, envolve a atribuição de significado e sentidos ao analista. O paciente pode conferir ao analista um papel simbólico, atribuindo-lhe poder ou autoridade na relação terapêutica. 

Já a transferência real está relacionada à dimensão da falta e da castração. Nesse tipo de transferência, o paciente confronta a falta no Outro, reconhecendo que o analista também é falível e limitado.

A contratransferência é a resposta emocional e pessoal do analista ao paciente. Ela pode influenciar a dinâmica da relação terapêutica e requer uma análise cuidadosa para evitar que prejudique o tratamento. Laplanche e Postalis, in “Dicionário de Psicanálise”, afirmam que a contratransferência é o “conjunto de reações inconscientes do analista à pessoa do  analisando e, mais particularmente, à transferência deste”.


A aliança terapêutica refere-se à relação de confiança e colaboração estabelecida entre o analista e o paciente. É fundamental para o progresso e a eficácia do processo terapêutico.  Sobre a escolha do Psicanalista, J-D. Násio diz: “Eis o que determina a escolha do terapeuta: a secreta convicção de que me compreendeu e que está prestes a me acompanhar” (in “Um Psicanalista no divã”).

A resistência é um fenômeno comum na psicanálise, referindo-se à tendência do paciente em evitar ou dificultar a análise de conteúdos reprimidos. A resistência pode se manifestar de várias maneiras e requer sensibilidade por parte do analista para identificá-la e trabalhá-la. 

O divã é o objeto físico onde o paciente pode se deitar sem ver o analista (de costas), durante a sessão psicanalítica. Também é o nome desta técnica. Essa posição favorece a livre associação e o acesso a conteúdos inconscientes, aumentando a liberdade, as transferências e o conforto, dependendo do paciente, que deve experimentar essa técnica num momento oportuno e escolher mantê-la ou não. E hoje nos deparamos com o
“divã virtual”. A pandemia da Covid-19 trouxe-nos uma outra realidade. Passamos a inserir novas tecnologias na dinâmica analítica e ainda estamos nos adaptando a este novo modelo que se revela bastante eficaz para determinados casos, aumentando, em outros, as resistências do analisando. Estamos a desafiar a nossa capacidade de adaptação, sempre
com o objetivo de auxiliar o analisando na compreensão dos conflitos (comumente surgidos no passado e submersos no inconsciente), no afrouxamento da rigidez egóica e  o estabelecimento de uma melhor relação com o objeto do desejo!

A paixão pela ignorância refere-se à disposição do paciente em se manter inconsciente de certos aspectos de si mesmo. A resistência do analisando, que busca evitar o confronto com aspectos indesejáveis. Essa "paixão" pode ser um obstáculo para o processo terapêutico, exigindo do analista uma abordagem cuidadosa e atenta.

Outros Conceitos:

SIMBOLIZAÇÃO NA ANÁLISE
A simbolização na análise refere-se à capacidade do paciente de expressar e compreender simbolicamente suas experiências internas e externas. Os símbolos desempenham um papel importante na análise, permitindo que o inconsciente seja acessado e trabalhado de forma mais profunda. Freud chamava a interpretação dos símbolos dos sonhos como a “via régia para o inconsciente”. Os sonhos, para ele, eram representações de desejos inconscientes.

DESEJO NA ANÁLISE
O desejo na análise é a força motivadora que impulsiona o paciente (o analisando)  a buscar mudanças e transformações pessoais. É por meio do desejo que o processo analítico se desenvolve, uma vez que o paciente se engaja na busca de soluções para seus conflitos e dificuldades. Lembrando sempre que o desejo é parte constituinte do ser humano segundo a visão psicanalítica, e que ele nunca vai ser satisfeito. E isso nos coloca em movimento para a busca constante de novas experiências.

SATISFAÇÕES SUBSTITUTAS
As satisfações substitutas são formas de satisfação que podem surgir como substitutos de desejos insatisfeitos. Durante a análise, é comum que o paciente experimente satisfações substitutas como uma forma de lidar com a frustração ou como uma estratégia inconsciente de evitar a mudança real.

FRUSTRAÇÃO NA ANÁLISE
A frustração na análise está relacionada às dificuldades e obstáculos que podem surgir no caminho do paciente durante o processo terapêutico. A análise pode despertar emoções intensas e desconfortáveis, desafiando a resistência do paciente e exigindo esforço e perseverança. Muitas vezes o paciente não quer ver o que está em seu inconsciente e o processo de trazer à tona esses objetos pode proporcionar em muitas fases da psicanálise algum desconforto. 

LIBERDADE NA ANÁLISE
A liberdade na análise é essencial para que o paciente se sinta à vontade para explorar e expressar seus pensamentos e emoções mais profundos. O ambiente terapêutico deve ser acolhedor, seguro e livre de julgamentos, proporcionando ao paciente a oportunidade de se conhecer e se transformar. A construção do setting analítico visa a criação e manutenção de um espaço onde o analisante possa trazer o que quiser e, invariavelmente, o que nem imaginava. O processo se dá pela estruturação de um ambiente ético, acolhedor e sem
julgamentos.

ÉTICA DO BEM-DIZER
A ética do bem-dizer refere-se à importância de uma comunicação ética, respeitosa e empática entre o analista e o paciente. O terapeuta deve ser sensível às necessidades e limites do paciente, utilizando o poder das palavras para promover o bem-estar e a compreensão mútua.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a ajuda do entendimento desses conceitos, é possível criar um ambiente terapêutico propício ao crescimento e desenvolvimento emocional do paciente. É essencial que os profissionais da área da psicanálise estejam atentos a essas questões e busquem aprimorar constantemente suas práticas clínicas, visando sempre o bem-estar e a saúde mental dos indivíduos. O desenvolvimento de um espaço onde o analisante se sinta à vontade para falar sobre efetivamente tudo o que lhe vier à mente pode propiciar momentos e revisitas sobre afetos, agora sob uma nova perspectiva.