Este trabalho trata do capítulo 2 da “Segunda consideração intempestiva (da utilidade e desvantagem da história para a vida)” de Nietzsche. Mais especificamente, sobre as páginas 18 a 25, onde Nietzsche trata da chamada “história monumental”.
Este tipo de história é buscado pelo homem de ação, o homem que não quer olhar para o passado como um tesouro antigo onde pode acumular “distração ou excitação”. Não é um estudo resignado de detalhes inúteis da História, nem de momentos maravilhosos do passado como passado, como curiosidade apenas, que não seja capaz de trazer sua força à ação atual. Esse homem de ação Nietzscheano, não é um egoísta. Pensa em um povo ou na humanidade como um todo, quer trazer a força dos momentos grandiosos do passado ao momento presente, vivificando-o. A face positiva da história monumental é descrita lindamente na passagem:
“Que os grandes momentos na luta dos indivíduos formem uma corrente, que como uma cadeia de montanhas liguem a espécie humana através dos milênios, que, para mim, o fato de o ápice de um momento já há muito passado ainda esteja vivo, claro e grandioso – este é o pensamento fundamental da crença em uma humanidade, pensamento que se expressa pela exigência de uma história monumental.” (p. 19)
Acredito, como Bachelard, na força da imaginação e da imagem poética (que muitas vezes chega a locais inacessíveis ao nosso puro racionalismo), e acredito ser válido citar aqui outra imagem que enriquece o conceito nietzscheano de história monumental:
“esta difícil corrida de tochas característica da história monumental, onde apenas o que é grande sobrevive!” (p. 19)
Este caminho grandioso e belo, caminho para a imortalidade nunca é fácil. “O belo é difícil”, como escreveu Platão (A República – livro VI – 497). A dificuldade se dá pelo não reconhecimento da grandiosidade e beleza pelos contemporâneos desse homem de ação, que carrega a tocha que os grandes homens do passado lhe passaram. Porém os túmulos não são o destino final desses homens, para Nietzsche:
“uma coisa irá viver, o monograma de sua essência mais íntima, uma obra, um feito, uma rara iluminação, uma criação: ela viverá porque a posteridade não poderá prescindir dela.” (p. 20)
E do mesmo modo que este homem de ação, criador do grandioso no momento presente, pegou a tocha dos grandes homens do passado, sua obra será a tocha a encorajar os homens do futuro. Pois se foi possível a grandeza no passado, “será, algum dia possível novamente”. Aliás, não seria essa também a parte boa da história da Filosofia?
Esta fé em si mesmo como ativo, como parte do mundo, capaz de criticar, analisar e transformar o presente, é essencial no momento em que vivemos, egoístas sem visão do todo, treinados para sermos passivos, uniformes e não criadores desde a pré-escola, passando pelo dogmatismo das igrejas e culminando com trabalhos sem beleza, prazer nem criatividade, que têm como fim último o salário para a sobrevivência. Aceitamos tudo que nos é dado com um conformismo crescente e uma alienação protuberante! A globalização e o neoliberalismo são ótimos exemplos contemporâneos de processos internacionais que facilmente convenceram a quase totalidade da raça humana de sua irreversibilidade. Isso mostra o tamanho do problema contemporâneo, que é basicamente, a meu ver, filosófico.
O compositor Yanni tem um pensamento que se encaixa perfeitamente nessa visão encorajadora de uma postura ativa no mundo: “Everything great that has ever happened in humanity since the beginning has begun as a single thought in someone’s mind.” (Frase dita no show “Live At Acropolis”, na Grécia, em 1994.)
Apresentei até aqui a face positiva da história monumental. Mas a mesma também pode ser mal utilizada, trazendo desvantagem para a vida. Para Nietzsche, essas suas faces degeneradas consistiriam em:
1. Induzir ao exagero (“impele os corajosos à temeridade, os entusiasmados ao fanatismo”- ps. 22-23);
2. Servir como desculpa para “egoístas talentosos” a usarem em proveito próprio, para convencer as massas e causar revoluções políticas a seu bel-prazer;
3. Não deixar o grande surgir no presente (“Vede, o grande já está aí!” – p. 24), quando “impotentes” se apoderam dela (“os mortos enterrarem os vivos” – p.24)
Esta terceira face é mais explorada pelo autor, desenvolvendo-se daí uma crítica aos críticos, inclusive de arte. Nietzsche, como Aristóteles em sua Ética, valoriza o homem de ação, o homem feliz, o homem que cria, em relação àquele que:
“fica apenas olhando e não coloca ele mesmo as mãos na massa.” (p. 23)
Esse que olha é o crítico, que tem ódio dos criadores do grande, ódio causado por sua pequenez. E a sua vingança é justamente tentar enterrar esses vivos (realmente vivos) com a grandeza dos mortos (do passado).
Bibliografia:
NIETZSCHE, F. Segunda consideração intempestiva. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003.
PLATÃO. A República. São Paulo: Martin Claret, 2006.
(Fabio Rocha)
4 comentários:
o que eu estava procurando, obrigado
Imagina, é um prazer espalhar alguma filosofia pela rede... ;)
Caro Fabio,
você teria como disponibilizar a segunda intempestiva na rede? Estive procurando por horas e apenas pude achar fragmentos de fragmentos.
Grato pelas considerações em seu blog.
Você deve achar em livrarias ou bibliotecas. Não tem como eu digitar tudo não... :)
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