Borderline - o desafio sem bordas

 Borderline - o desafio sem bordas - Fabio Rocha

“Borderline”, termo cunhado para uso na psicanálise por *Stern, significa linha de fronteira, limite. São pessoas geralmente muito inteligentes e com sensibilidade artística, intensas, que odeiam estar sozinhas. Em geral, são pessoas interessantíssimas e agradáveis quando não há envolvimento com elas (exemplo clássico: Amy Winehouse). A origem do termo remonta a alguém sem fronteira entre neurose e psicose. Quando algo tem linhas de fronteiras, tem um território com características próprias que compõem uma unidade, uma forma. Pensar sobre a questão Borderline na clínica psicanalítica implica em pensar na ausência de territorialidade, de forma fixa, de previsibilidade: uma pessoa diagnosti1cada como Borderline é alguém que carece de assentamento, de estabilidade, de fronteiras. Com uma estrutura egóica muito frágil. Transtorno de personalidade muito complexo, diferente da neurose obsessiva, da histeria e da fobia, no Borderline, o seu corpo, a sua psique e a sua existência não tem uma unidade ou uma constância. É estar e não estar. Ser e não ser. São pessoas aturdidas, transtornadas, porque encontram-se em uma posição psíquica muito desconfortável (não tem uma pousada, uma casa, um lugar delimitado e estável para ficar, para ter paz). Essa tendência a fazer de tudo para se sentir mal do Borderline ("eu não valho nada", "eu sou um coitado etc."), pode ser interpretada em algum grau como masoquismo e pode ter conexão com a tendência desses pacientes à automutilação e tentativas de suic*dio. Vaidade e arrogância são defesas dessa condição de falta de amor próprio eu herdada da falta de amor dos pais na sua infância. Há também, em geral, uma dificuldade em ter empatia. O humor é cronicamente raivoso ou melancólico. Muitas vezes substituem inveja, tristeza e outros sentimentos por raiva. E a raiva (ou mágoa) aparece tão avassaladora pela falta do ego mais forte para contê-la. Abaixo, deixo o quadro do DSM-V do transtorno:

Em Psicanálise, preferimos tratar a singularidade de cada indivíduo, não o encaixando em algum diagnóstico. (Aliás, o diagnóstico de borderline se aproxima sempre do narcisista.) Porém, pode ter sua utilidade para o tratamento clínico o diagnóstico nesses casos (border). O mesmo costuma ser difícil, muitas vezes sendo confundidos e tratados como bipolares. Porém, a forma mais fácil de detectar o caso de cada paciente é através da análise da variável tempo: o intervalo de tempo entre as mudanças de humor do Borderline é muito mais rápido, muitas vezes ocorrem várias vezes no mesmo dia. Já o Bipolar, em geral, tem fases de muitos meses ou anos alternando depressão e mania (euforia).

​Pessoas Borderline foram anuladas na infância, não se sentem incluídas, pertencentes pois tiveram sua existência privada de acolhimento e posta à prova, constantemente irritadas e maltratadas por um ambiente nada acolhedor. Trata-se de pessoas que foram privadas de carinho, amor e dignidade e que tiveram que lutar e crescer a despeito de um ambiente nada hospitaleiro onde as dimensões destrutivas  e violentas se mostravam além dos limites do suportável. Essa falta de proteção, cuidado, validação na infância torna esse "crescer" algo perigoso e, muitas vezes, o Borderline se mantém num aspecto infantil em vários sentidos, com um sentimento de inferioridade generalizado muitas vezes. Inseguros e quase incapazes de confiar, com o que Stern* chama de "hipersensibilidade desmedida" (coisas menos podem deixar o paciente Borderline exageradamente magoado ou irritado. Exemplo comum: atrasos). Sempre com ansiedade e insegurança (autoconfiança sempre impermanente, muitas vezes dependente de aprovação externa). O outro recebe a projeção da fonte de seu sofrimento: o outro é um inimigo e a vida é uma guerra (enxerga "panelinhas" onde não há, cria inimigos onde não há, quase chegando na psicose). Por isso, o que aparece na clínica psicanalítica como sintomas do Borderline são respostas defensivas que visam sanar ou ao menos minimizar o horror de uma vida sem estabilidade e movida pela reatividade, beirando a insuportabilidade. São pessoas como que deformadas (sem forma) em sua psiquê, que podem ser perigosas para os outros e para si mesmas, sem nenhuma tendência à diplomacia, onde há a tendência a ser TUDO OU NADA, extremado em relação às emoções (hipersensibilidade, hiper-reatividade e instabilidade afetiva). Vivem constantemente exasperados sob a ameaça de desintegração. Sempre no limite do colapso (aparelho psíquico sempre estressado). Tendência também a ter vícios e compulsões (inclusive com comida ou gasto de dinheiro excessivo), para fugir dessa sensação de desfragmentação iminente.

Quanto a relacionamentos amorosos, a tendência do Borderline é, pela ausência de fronteiras, a tendência de excessiva idealização e fusão com o objeto (na paixão, mudam até de religião para acompanhar a identidade do objeto amado) - como que para compensar a falta de um ambiente acolhedor em sua infância. Parece importantíssimo e urgente ficar com o objeto amada e, assim que consegue, o esforço passa a ser se distanciar do mesmo. Surge com o relacionamento o inferno do medo da perda do objeto e da rejeição e do abandono. O objeto ganha a função de preencher seu vazio. E a perda do objeto, em geral, é gatilho para um nível de sofrimento absurdo e reações violentas e imprevisíveis (nos ataques de fúria, fica cego de raiva e ganha força física impressionante). Para evitar essa perda, há uma tendência a excesso de controle. Ao mesmo tempo, há um esforço para perder o objeto amado (ameaçador). Como se o objeto pudesse se tornar insuportável e algo a se afastar por não ser exatamente como o idealizado (expectativas idealizadas, aliás, são em todas as áreas do paciente Borderline). Porém, na separação, com sentimento de rejeição, há muitas vezes uma repetição de: ataque violento, afastamento e culpa (auto reprovação pelo ataque violento). Muitas vezes, há tentativas de suic*dio causadas por essa culpa e incapacidade de agir e viver de uma forma diferente. Esse ciclo pode ocorrer também com amigos ou familiares. Cabe expandir isso mais claramente: não é apenas com relacionamento amoroso! "A desregulação do narcisismo ocorre quando as necessidades da criança são ignoradas, o que provoca grave alteração da autoestima ou a criação de um grandioso escudo defensivo". (Morrison) Isso causa no paciente uma dependência total de relacionamento amoroso para ser admirado e sair dessa autoestima destruída. A falta dessa essência própria faz depender de outros para se sentir alguém. Muitas vezes nem só relacionamento amoroso (costuma ter muito ciúmes de amigos, por exemplo). Dependente demais do OLHAR DO OUTRO para validá-lo. Uma busca desesperada por vínculo, mas assim que este se estabelece, o outro passa a ser uma ameaça. Pois esse outro pode trair, pode ferir mais que qualquer outra pessoa agora que se estabeleceu o vínculo. Muitas vezes, impulsivamente, o borderline termina a relação, Porém, depois o sofrimento é tamanho que tenta voltar aceitando qualquer condição.

A psicanálise pode ser uma forma efetiva de melhora da qualidade de vida de tais pacientes. Esse artigo trabalha esta questão: https://meriva.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16120/2/Adesao_a_tecnica_psicanalitica_no_processo_de_psicoterapia_com_uma_paciente_borderline.pdf 

Em geral, a relação com o analista tende a ser de muita dependência, com o analista sendo colocado no lugar dos pais para uma criança pequena, sendo uma grande responsabilidade para o analista. Há a tendência a endeusar a figura do analista e muita demanda por atenção em momentos de crise. Em geral, antes de entrar com o paciente no processo de psicanálise clássica, distante e fria (seguindo o conselho freudiano de "O paciente deve ser deixado com desejos insatisfeitos em abundância. É conveniente negar-lhe precisamente aquelas satisfações que mais intensamente deseja e que mais importunamente expressa." - texto "Linhas de progresso na terapia analítica", de 1918). 

O silêncio excessivo do analista, particularmente, ou mostrar-se sempre impassível, com excesso de formalidade e distância pode beirar o insuportável para o paciente Borderline. Conforme orienta Stern*, é preciso de um longo período focado em apenas apoio e cuidado psicológico para aumentar o grau de estabilidade, confiança e conforto do paciente. (Até para evitar uma piora, a entrada em um um surto psicótico ou o suic*dio). Ao mesmo tempo, nesse período inicial, foco na transferência. Vai na mesma direção Zimerman, que, em seu "Manual da Técnica Psicanalítica" (p. 68), diz: "Em se tratando de pacientes muito regressivos, como é o caso de crianças autistas, F. Tustin (1981) sugere que o setting analítico deve ser visto como uma incubadora, na qual o 'prematuro psicológico' possa encontrar as gratificações básicas - calor, compreensão, amor e paz - que a criança ainda não realizou, porquanto, desde o nascer, ela ainda não teve as condições ambientais mínimas para satisfazê-las. trata-se de pacientes que necessitam da presença viva de um objeto externo (no caso, o terapeuta) que, tal como um 'útero psicológico', acolha, aqueça, proteja e estimule [...]".

É cada vez mais importante esse cuidado e preparação dos profissionais, pois há atualmente um número crescente de analisandos com características do transtorno de personalidade Borderline. Dentre eles, muitos adolescentes. Alguns psiquiatras chegam a contraindicar a psicanálise para os quadros limítrofes (Border). As linhas de Winnicott e de Ferenczi, por exemplo, onde o psicanalista é menos o "espelho" mal interpretado de Freud (imóvel, distante, impassível, frio e calado demais) e mais uma mãe imaginária acolhedora pode ser um tipo de clínica mais adequado para este caso, principalmente nos primeiros momentos do tratamento. Através do reviver e do incorporar uma nova forma de relacionamento com a figura materna (principalmente) na clínica, pode-se construir uma forma de sair da repetição do ciclo de afastamento violento e culpa posterior dos relacionamentos do Borderline. Com base na aliança com o psicanalista, que deve suportar os excessos do paciente Borderline.

Um poema meu sobre o tema border: https://poesia-fabio-rocha.blogspot.com/2022/09/o-incuravel-super-heroi-borderline.html 


Tipos de Borderline:
  1) Que Exterioriza
(mais chance de ameaça aos outros, raiva, agressões etc.) 
  2) Que Interioriza (mais chance de automutilação e su*cídio)

Graus de Borderline: Dependem muito do grau de autoconsciência sobre a doença.

Traços Borderline: Quando a pessoa não apresenta a quantidade toda de sintomas e em menor intensidade.

Material complementar:

* Artigo de Adolf Stern sobre Borderline

Transtorno de Personalidade Limítrofe (TPL) (novo nome do transtorno Borderline)

Dissociação no Borderline

Borderline: Disfunções Cognitivas | Emocionais | Comportamentais | Pessoal

Melhor vídeo que achei em Português sobre Borderline

Vídeo para pais atualíssimo, considerando os malefícios do celular e da falta de limites e o índice alarmante de aumento dos suic*dios em crianças e adolescentes:
https://youtu.be/wXPde553o-U?si=G3S5kMxQSA_ljI0r


Abandono das figuras parentais - reflexos nas relações amorosas e como melhorar segundo Jung

Abandono das figuras parentais - reflexos nas relações amorosas e como melhorar segundo Jung - Fabio Rocha

( Resumo inspirado no artigo: https://www.scielo.br/j/estpsi/a/wn6nHN5SkWwYpnW3frsfHyP/ )

OBS.: Trato aqui de filhas e pais, porém podemos pensar no mesmo com o Édipo - filhos e mães.

Pontos em comum: Pai ausente (abandono) ou presente, porém muito severo, crítico, autoritário ou abusivo (negligência/omissão/descaso). 

Sintomas em comum: Falta de autoconfiança, melancolia, depressão, compulsão à repetição* em relações românticas (Na falta da relação infantil com uma boa imagem masculina, tentam preencher essa lacuna afetiva infantil com parceiros que gerem submissão e dependência.)

Solução de Jung (através da terapia): Desenvolvimento dessa figura masculina que faltou no pai em si próprio, individuação. Maior equilíbrio psíquico entre as polaridades masculina e feminina. Não mais na repetição de relacionamentos românticos com figuras de abandono.

Como se dá a cura: ao invés de repetir nos relacionamentos, para "reviver" e curar a ferida emocional (tentativas inconscientes de cura), a repetição se dá através da fala na psicologia analítica.

* Compulsão à repetição é um fenômeno do psiquismo que se caracteriza pela tendência inconsciente de REPETIR algo que não foi bem resolvido, tentando reintegrar um elemento alheio em que o indivíduo ficou fixado.

Vídeo para pais atualíssimo, considerando os malefícios do celular e da falta de limites e o índice alarmante de aumento dos suic*dios em crianças e adolescentes:
https://youtu.be/wXPde553o-U?si=G3S5kMxQSA_ljI0r


A interpretação dos sonhos de forma prática na clínica contemporânea

A interpretação dos sonhos de forma prática na clínica contemporânea - Fabio Rocha


Percebendo a distância entre a realidade da clínica, como paciente há 30 anos e também como psicanalista, me instiguei a escrever esse texto, complementando este post sobre sonhos.

Precisamos debater isso e entender porque houve quase um bloqueio na transmissão da Psicanálise no tocante à interpretação dos sonhos pela análise de suas partes, sendo uma técnica muito pouco utilizada em profundidade na clínica contemporânea. Talvez isso tenha ocorrido pelo tempo demandado para uma decomposição de cada símbolo exposto no sonho... Ou pela energia demandada por um trabalho assim. Um analista com muitos pacientes simplesmente não aguentaria trabalhar tão a fundo tantos conteúdos tão complexos sem se perder totalmente. (Por isso, acredito ser melhor trabalhar priorizando a qualidade, com poucos pacientes, na Psicanálise). Zimerman, porém, vê isso como uma evolução natural na Psicanálise: "Na atualidade, as coisas não se passam mais assim, pois o levantamento arqueológico cedeu lugar a uma valorização do sonho como um importante método de comunicação, de sorte que o analista está mais atento ao 'todo.' " (Manual de Técnica Psicanalítica. p. 426)

Mesmo tendo Freud chamado os sonhos de "via régia (principal) para o inconsciente", deixando claro que essa seria uma das técnicas mais importante da Psicanálise. Mesmo com Jung reforçando essa importância, apontando o bom hábito de anotar os sonhos em detalhes logo ao despertar (antes da censura / barreira egóica poder começar a agir! Quanto mais cedo se anotar ou gravar em detalhes os sonhos, melhor, pois isso vai se perdendo com o tempo pela ação do ego ao longo do dia) como uma forma acessível a todos de ter um maior contato com seu inconsciente. E de lembrar cada vez mais de mais sonhos em detalhes.

Quase nenhum psicanalista, hoje em dia, utiliza o tempo da sessão para analisar - decompor detalhadamente - os elementos de cada sonho de cada um dos analisandos, como propunha Freud. Reforço que Freud não recomendava analisar o sonho como um todo, menos ainda seu significado na cultura, ou o significado geral de seus elementos, conforme o senso comum. Há até livros sobre o significado “correto” de cada sonho ou objeto sonhado, do tipo “o mar significa sentimento”, que não faz nenhum sentido do ponto de vista da Psicanálise. Cada sonho, cada paciente, cada elemento do sonho, varia! E o que importa é seu significado para aquele analisando, nunca um significado geral. Outro detalhe importante que Freud nos aponta é que a atenção do analista deve estar nas palavras. Não nas imagens trazidas pelo analisando. Todo o estímulo do psicanalista deve ser voltar mais para as palavras usadas pelo analisando. Isso nada mais é do que a técnica de atenção flutuante proposta por Freud para toda análise!

Vou exemplificar com o mínimo de teorização possível, para que fique fácil de entender o que claramente falta hoje na clínica psicanalítica e proponho um debate sobre isso (podemos conversar mais nos comentários).

Dois conceitos básicos que ocorrem no que Freud chamou de "elaboração onírica": a verdade que o ego não suporta é expressa de maneira disfarçada no sonho, onde há DESLOCAMENTO (exemplo: sonhar com um cálice, como o da música de Chico Buarque, para não aparecer diretamente a palavra "cale-se", que o ego por qualquer razão não "quer ver") e CONDENSAÇÃO (A condensação é quando deslocamentos se fundem / fusionam / condensam. Exemplo: quando se sonha com uma pessoa, mas ela parece ter o aspecto de outra e estar vestida tal como uma terceira pessoa, isso pode ser uma condensação das três pessoas).

Reforçando: há deslocamento e condensação. Então, o papel do psicanalista é ajudar a decompor (isso é que é analisar algo, decompor em partes menores) algo condensado pelo inconsciente no conteúdo manifesto do sonho (sem desconsiderar os deslocamentos) em diversos elementos oníricos, que devem ser amplamente analisados.

Exemplos de apenas UM sonho de UM analisando decomposto (e ainda com muito mais coisa a analisar!): 


SONHO:

- "tornado na casa da avó" - finitude da avó, do passado, da infância. lembrança da primeira coisa que vem à mente: a frase "o vento leva". outra lembrança livre que apareceu: o analisando brincando com folhas e fingindo voar na casa da mesma avó. outro aspecto do símbolo do vento: "como segurar o vento?" - o inevitável.

- "a casa caindo em ruínas lentamente" - parecendo um filme, primeira imagem ligada a palavra casa: "proteção". outro ligação: "medo de crescer" (crescer seria perder alguma proteção para este analisando) - outro deslocamento para uma simbologia da casa sendo destruída - indo pelos ares.

- "tento segurar o telhado" - esforço de reter algo que não dá. como momentos bons. lembrança da casa como local bom na infância. esforço sempre vão. outro símbolo para telhado, primeira palavra de que o analisando lembrou: "proteção"

-  "mas morro" - a finitude tocando tudo, aqui não mais apenas a infância, mas a própria vida. de forma incontrolável. outro deslocamento que apareceu, pela repetição da palavra "morro". Não mais como verbo. Morro como substantivo, sinônimo de "colina" ou "monte". deslocamento possível (talvez o mais belo deste sonho) de Moisés recebendo as tábuas da lei no monte Sinai. religião. reconexão consigo mesmo.

- "e estranhamente fico bem depois de morto" - primeira palavra que veio à mente do analisando: "relaxar". entrega total quando nada mais há a perder. desistir. deixar ir. o relaxamento maior é a morte. outra: medo de perder para a morte a última avó viva do analisando. o estranhamento era: "morrendo eu não deveria estar sofrendo? não deveria estar preocupado? que estranho eu aqui bem." (após uma reconexão consigo mesmo) 

OBS.: Este analisando estava numa fase da vida (até mesmo pela ajuda da psicanálise e de outras terapias) onde se sentia "se encontrando", se reconectando mais com seu desejo, incorporando e aceitando melhor traumas do passado e se permitindo conhecer, inclusive, novas práticas religiosas. Notem quanto material condensado e deslocado em apenas um sonho.

A importância da Amamentação e do Holding na visão Psicanalítica

A importância da Amamentação e do Holding na visão Psicanalítica - Fabio Rocha

A importância da amamentação na perspectiva psicanalítica é amplamente reconhecida. A relação entre mãe e bebê durante a amamentação é considerada uma das primeiras experiências de vinculação emocional, proporcionando segurança e estabelecendo as bases para o desenvolvimento saudável do indivíduo. De acordo com a psicanálise, a amamentação desempenha um papel crucial na construção da identidade e na formação da personalidade do bebê. Durante esse período, ocorre a satisfação das necessidades básicas do bebê, promovendo a sensação de completude e segurança emocional. A amamentação também facilita a conexão afetiva entre mãe e filho, estabelecendo uma base sólida para a confiança e o amor. A falta de amamentação ou a interrupção precoce desse processo podem levar a uma série de problemas emocionais e psicológicos. O prazer da mãe em amamentar também é importante e parece ser percebido pela criança. Um exemplo é o transtorno de personalidade borderline. Pacientes com esse transtorno frequentemente apresentam dificuldades na regulação emocional, instabilidade nos relacionamentos e uma sensação profunda de vazio. Acredita-se que a falta de uma experiência de amamentação satisfatória possa contribuir para o desenvolvimento desses sintomas, pois a relação mãe-bebê não foi adequadamente estabelecida nos estágios iniciais. A dependência emocional também pode ser influenciada pela falta de amamentação adequada. A amamentação cria uma sensação de conforto e segurança para o bebê, fornecendo uma base (segurança, conforto etc.) para a autonomia e a independência emocional posteriormente. Quando essa experiência é negada ou insuficiente, a criança pode desenvolver uma tendência a buscar constantemente a aprovação e a segurança emocional em outras pessoas, tornando-se dependente de relacionamentos íntimos para suprir suas necessidades emocionais básicas. Quanto ao período mínimo recomendado para amamentação, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) recomendam a amamentação exclusiva nos primeiros seis meses de vida do bebê. Isso significa que o bebê deve receber apenas leite materno, sem a introdução de qualquer outro alimento ou líquido. Após esse período, a amamentação deve ser complementada com alimentos adequados e nutritivos, continuando até pelo menos os dois anos de idade. É importante ressaltar que a psicanálise reconhece a amamentação como uma experiência fundamental para o desenvolvimento psicológico saudável do indivíduo, mas também reconhece a complexidade das interações humanas e a multiplicidade de fatores que podem influenciar o desenvolvimento psíquico. A amamentação não é o único determinante do equilíbrio emocional e da formação da personalidade, mas desempenha um papel significativo nos estágios iniciais da vida.

Do ponto de vista psicológico, os malefícios de um tempo insuficiente de amamentação podem incluir:

Impacto na formação do vínculo afetivo: A amamentação cria uma oportunidade para a mãe e o bebê se conectarem emocionalmente. A falta de amamentação adequada ou a interrupção precoce desse vínculo podem afetar negativamente o desenvolvimento emocional e a segurança emocional do bebê.

Estresse e ansiedade: A amamentação libera hormônios, como ocitocina e prolactina, que promovem sentimentos de relaxamento e bem-estar tanto na mãe quanto no bebê. A falta desses momentos tranquilos e reconfortantes pode levar a níveis elevados de estresse e ansiedade em ambos.

Autoestima materna: Para muitas mães, a amamentação é uma experiência gratificante e fortalecedora, que contribui para sua autoestima e confiança como cuidadora. A impossibilidade de amamentar ou a amamentação insuficiente pode levar a sentimentos de culpa, frustração e diminuição da autoestima.

Desenvolvimento emocional do bebê: A amamentação é uma forma de comunicação não verbal entre a mãe e o bebê, permitindo que o bebê aprenda a reconhecer e responder às necessidades emocionais. A interrupção precoce da amamentação pode dificultar a capacidade do bebê de regular suas emoções e lidar com o estresse.

Além da importância da amamentação na perspectiva psicanalítica, outro conceito relevante é o do "holding". Esse termo, cunhado pelo psicanalista britânico Donald Winnicott, refere-se à capacidade da mãe (ou cuidador) de proporcionar um ambiente seguro e acolhedor para o bebê durante os primeiros estágios de desenvolvimento.

O holding envolve tanto o aspecto físico quanto o emocional. Fisicamente, significa segurar e sustentar o bebê com cuidado, garantindo sua proteção e bem-estar. Emocionalmente, envolve estar presente de forma atenta e sensível às necessidades do bebê, oferecendo-lhe conforto e apoio emocional.

Na perspectiva psicanalítica, o processo de holding é fundamental para o desenvolvimento saudável do bebê. Ele fornece um ambiente seguro e confiável, permitindo que o bebê explore e experimente o mundo de forma segura. O holding adequado contribui para a formação do senso de identidade e da capacidade de confiar nos outros, estabelecendo as bases para relacionamentos interpessoais saudáveis no futuro.

A falta de holding adequado pode resultar em problemas psicológicos, como a dependência emocional mencionada anteriormente. Quando o bebê não recebe o apoio emocional necessário durante os estágios iniciais, ele pode desenvolver uma sensação de insegurança e desconfiança em relação aos outros. Isso pode levar a dificuldades na formação de relacionamentos saudáveis, dependência excessiva dos outros para suprir suas necessidades emocionais e dificuldades em lidar com a separação e a autonomia.

Além disso, a psicanálise destaca a importância da relação mãe-bebê como um todo. A qualidade do vínculo emocional estabelecido durante a amamentação e o processo de holding influenciam diretamente o desenvolvimento psicológico da criança. Essas experiências precoces são internalizadas pelo bebê, formando modelos internos de relacionamento que moldam sua maneira de se relacionar com os outros ao longo da vida.

A falta da função materna, entendida como a ausência ou insuficiência de cuidados e vínculo emocional adequados por parte da figura materna, pode ter um impacto significativo no desenvolvimento psicológico da criança, incluindo o desenvolvimento de autismo e de melancolia, além do transtorno borderline. No entanto, é importante destacar que o autismo e a melancolia não são causados exclusivamente pela falta da função materna, mas sim por uma combinação complexa de fatores genéticos, biológicos e ambientais. Autismo: O autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por dificuldades na comunicação social, interações sociais restritas e padrões repetitivos de comportamento. Sua origem é multifatorial e ainda não totalmente compreendida. Estudos sugerem que fatores genéticos desempenham um papel importante na predisposição ao autismo. Melancolia: A melancolia, também conhecida como depressão melancólica, é um transtorno do humor caracterizado por tristeza profunda, perda de interesse e prazer nas atividades, alterações do sono e do apetite, além de sentimentos de culpa e baixa autoestima. A melancolia tem uma etiologia complexa e multifatorial, envolvendo fatores genéticos, biológicos, psicológicos e ambientais. A falta da função materna pode ser um fator de risco para o desenvolvimento da melancolia, mas não pode ser considerada sua única causa. É importante ressaltar que a formação de vínculos seguros e afetivos é crucial para o desenvolvimento saudável da criança. A figura materna desempenha um papel importante nesse processo, fornecendo cuidados, afeto, segurança e estímulos adequados. A falta desses elementos pode ter um impacto negativo no desenvolvimento emocional da criança e aumentar o risco de problemas psicológicos.

Em suma, a amamentação e o processo de holding desempenham papéis cruciais na perspectiva psicanalítica. Eles fornecem os alicerces para o desenvolvimento emocional e a construção da identidade do indivíduo. Através dessas experiências, o bebê aprende a confiar nos outros, a regular suas emoções e a estabelecer relacionamentos saudáveis. Portanto, é fundamental garantir um ambiente acolhedor e estimulante nos primeiros estágios da vida, promovendo a amamentação adequada e o processo de holding para favorecer um desenvolvimento psicológico saudável.

P.S.: Além dos benefícios psicológicos, a amamentação oferece uma série de vantagens para o bebê devido às propriedades únicas do leite materno. Ele contém todos os nutrientes essenciais para o crescimento e desenvolvimento saudável da criança, além de componentes imunológicos que protegem contra infecções e doenças. Estudos têm mostrado que bebês amamentados exclusivamente têm menor risco de desenvolver infecções respiratórias, gastrointestinais, otites, alergias, obesidade e doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, ao longo da vida. Quando o tempo de amamentação é reduzido ou não ocorre de forma exclusiva nos primeiros seis meses, há um aumento nos riscos para a saúde do bebê. Vejamos alguns dos malefícios associados a um período insuficiente de amamentação: Maior suscetibilidade a infecções: O leite materno fornece anticorpos que ajudam o bebê a combater doenças. A falta de amamentação adequada pode resultar em uma menor proteção imunológica, aumentando o risco de infecções. Problemas gastrointestinais: O leite materno é facilmente digerido pelo sistema digestivo do bebê. A introdução precoce de alimentos sólidos ou a substituição do leite materno por fórmulas pode causar desconforto intestinal, constipação ou diarreia. Alergias e intolerâncias alimentares: O leite materno ajuda a desenvolver a tolerância a diferentes alimentos, reduzindo o risco de alergias e intolerâncias. Bebês que não são amamentados adequadamente podem apresentar maior propensão a desenvolver alergias alimentares. Impacto no desenvolvimento cognitivo: Estudos sugerem que a amamentação exclusiva está associada a um melhor desenvolvimento cognitivo. A falta de amamentação adequada pode prejudicar o desenvolvimento cerebral e cognitivo do bebê. Aumento do risco de doenças crônicas: A amamentação adequada nos primeiros meses de vida pode ter um impacto positivo na prevenção de doenças crônicas na vida adulta. A falta de amamentação exclusiva pode aumentar o risco de obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão e outras doenças crônicas.

Material complementar:

Vídeo para pais atualíssimo, considerando os malefícios do celular e da falta de limites e o índice alarmante de aumento dos suic*dios em crianças e adolescentes:
https://youtu.be/wXPde553o-U?si=G3S5kMxQSA_ljI0r

https://www.ufsm.br/app/uploads/sites/518/2020/09/2014-Kruel-Souza-ing.pdf

http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-03942010000300010

https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/4350/4350_5.PDF

https://www.psicanaliseclinica.com/amamentacao-psicanalise/

https://bibliodigital.unijui.edu.br:8443/xmlui/bitstream/handle/123456789/2894/ANA%20PAULA%20THEISEN%20TCC%20FINAL.pdf?sequence=1&isAllowed=y

Transferência, Contratransferência e outros conceitos psicanalíticos

Transferência, Contratransferência e outros conceitos psicanalíticos - Fabio Rocha


INTRODUÇÃO

A psicanálise é um processo que busca, dentre outras coisas, promover a compreensão e o desenvolvimento emocional dos indivíduos, através de sua auto escuta e retomada de posse de seu desejo. Ao longo desse processo, diversos temas e conceitos se mostram relevantes para a compreensão e eficácia da análise. 

Tanto Freud quanto Lacan reconhecem a importância da transferência, embora suas concepções sobre o assunto difiram em alguns aspectos. Neste trabalho, examinaremos os tipos de transferência propostos por cada um desses teóricos, destacando suas semelhanças e diferenças, e exploraremos outros temas relacionados à prática psicanalítica. Estar aberto para a escuta empática é fator primordial para o manejo clínico. O que pode parecer  irrelevante para o analisando não necessariamente seria na visão do psicanalista.

A transferência é um importante elemento no processo analítico. Por meio dela, o analisando dirige ao analista emoções, desejos e fantasias inconscientes, como se este fosse uma significativa figura do seu passado. Para Freud, ela é a repetição de padrões relacionais, baseada em experiência infantis recalcadas. Ainda, é a carga de libido que o indivíduo parcialmente insatisfeito, dirige ao seu médico (analista). Lacan, por sua vez, dizia ser a materialização de uma operação que se relaciona com o engano, no qual o analisando coloca o analista no lugar do sujeito suposto saber. Após, passou a defini-la como uma encenação, através da experiência analítica, da realidade do inconsciente. 

Tipos de Transferência em Freud

Freud delineou vários tipos de transferência em sua obra. 

A transferência positiva é caracterizada por sentimentos de afeto e admiração direcionados ao analista. O paciente pode idealizar o terapeuta e esperar dele uma solução para seus problemas. 

Por outro lado, a transferência negativa envolve sentimentos hostis, raiva e descontentamento em relação ao analista. Esses sentimentos são frequentemente associados a experiências passadas do paciente, transferindo-as para a figura do terapeuta.

Freud também descreveu a transferência erótica, na qual o paciente projeta sentimentos eróticos em relação ao analista, muitas vezes repetindo padrões de relacionamentos passados. Essa transferência pode ser desafiadora tanto para o paciente quanto para o analista, pois envolve a exploração de desejos e fantasias sexuais.

Tipos de Transferência em Lacan

Lacan trouxe contribuições significativas para a compreensão da transferência. Para ele, a transferência é estruturada como uma relação imaginária, simbólica e real entre o analista e o paciente. Ele destaca a transferência imaginária, que é baseada na identificação do paciente com o analista. Aqui, o paciente pode projetar características e desejos em relação ao analista, buscando se tornar semelhante a ele.

A transferência simbólica, por sua vez, envolve a atribuição de significado e sentidos ao analista. O paciente pode conferir ao analista um papel simbólico, atribuindo-lhe poder ou autoridade na relação terapêutica. 

Já a transferência real está relacionada à dimensão da falta e da castração. Nesse tipo de transferência, o paciente confronta a falta no Outro, reconhecendo que o analista também é falível e limitado.

A contratransferência é a resposta emocional e pessoal do analista ao paciente. Ela pode influenciar a dinâmica da relação terapêutica e requer uma análise cuidadosa para evitar que prejudique o tratamento. Laplanche e Postalis, in “Dicionário de Psicanálise”, afirmam que a contratransferência é o “conjunto de reações inconscientes do analista à pessoa do  analisando e, mais particularmente, à transferência deste”.


A aliança terapêutica refere-se à relação de confiança e colaboração estabelecida entre o analista e o paciente. É fundamental para o progresso e a eficácia do processo terapêutico.  Sobre a escolha do Psicanalista, J-D. Násio diz: “Eis o que determina a escolha do terapeuta: a secreta convicção de que me compreendeu e que está prestes a me acompanhar” (in “Um Psicanalista no divã”).

A resistência é um fenômeno comum na psicanálise, referindo-se à tendência do paciente em evitar ou dificultar a análise de conteúdos reprimidos. A resistência pode se manifestar de várias maneiras e requer sensibilidade por parte do analista para identificá-la e trabalhá-la. 

O divã é o objeto físico onde o paciente pode se deitar sem ver o analista (de costas), durante a sessão psicanalítica. Também é o nome desta técnica. Essa posição favorece a livre associação e o acesso a conteúdos inconscientes, aumentando a liberdade, as transferências e o conforto, dependendo do paciente, que deve experimentar essa técnica num momento oportuno e escolher mantê-la ou não. E hoje nos deparamos com o
“divã virtual”. A pandemia da Covid-19 trouxe-nos uma outra realidade. Passamos a inserir novas tecnologias na dinâmica analítica e ainda estamos nos adaptando a este novo modelo que se revela bastante eficaz para determinados casos, aumentando, em outros, as resistências do analisando. Estamos a desafiar a nossa capacidade de adaptação, sempre
com o objetivo de auxiliar o analisando na compreensão dos conflitos (comumente surgidos no passado e submersos no inconsciente), no afrouxamento da rigidez egóica e  o estabelecimento de uma melhor relação com o objeto do desejo!

A paixão pela ignorância refere-se à disposição do paciente em se manter inconsciente de certos aspectos de si mesmo. A resistência do analisando, que busca evitar o confronto com aspectos indesejáveis. Essa "paixão" pode ser um obstáculo para o processo terapêutico, exigindo do analista uma abordagem cuidadosa e atenta.

Outros Conceitos:

SIMBOLIZAÇÃO NA ANÁLISE
A simbolização na análise refere-se à capacidade do paciente de expressar e compreender simbolicamente suas experiências internas e externas. Os símbolos desempenham um papel importante na análise, permitindo que o inconsciente seja acessado e trabalhado de forma mais profunda. Freud chamava a interpretação dos símbolos dos sonhos como a “via régia para o inconsciente”. Os sonhos, para ele, eram representações de desejos inconscientes.

DESEJO NA ANÁLISE
O desejo na análise é a força motivadora que impulsiona o paciente (o analisando)  a buscar mudanças e transformações pessoais. É por meio do desejo que o processo analítico se desenvolve, uma vez que o paciente se engaja na busca de soluções para seus conflitos e dificuldades. Lembrando sempre que o desejo é parte constituinte do ser humano segundo a visão psicanalítica, e que ele nunca vai ser satisfeito. E isso nos coloca em movimento para a busca constante de novas experiências.

SATISFAÇÕES SUBSTITUTAS
As satisfações substitutas são formas de satisfação que podem surgir como substitutos de desejos insatisfeitos. Durante a análise, é comum que o paciente experimente satisfações substitutas como uma forma de lidar com a frustração ou como uma estratégia inconsciente de evitar a mudança real.

FRUSTRAÇÃO NA ANÁLISE
A frustração na análise está relacionada às dificuldades e obstáculos que podem surgir no caminho do paciente durante o processo terapêutico. A análise pode despertar emoções intensas e desconfortáveis, desafiando a resistência do paciente e exigindo esforço e perseverança. Muitas vezes o paciente não quer ver o que está em seu inconsciente e o processo de trazer à tona esses objetos pode proporcionar em muitas fases da psicanálise algum desconforto. 

LIBERDADE NA ANÁLISE
A liberdade na análise é essencial para que o paciente se sinta à vontade para explorar e expressar seus pensamentos e emoções mais profundos. O ambiente terapêutico deve ser acolhedor, seguro e livre de julgamentos, proporcionando ao paciente a oportunidade de se conhecer e se transformar. A construção do setting analítico visa a criação e manutenção de um espaço onde o analisante possa trazer o que quiser e, invariavelmente, o que nem imaginava. O processo se dá pela estruturação de um ambiente ético, acolhedor e sem
julgamentos.

ÉTICA DO BEM-DIZER
A ética do bem-dizer refere-se à importância de uma comunicação ética, respeitosa e empática entre o analista e o paciente. O terapeuta deve ser sensível às necessidades e limites do paciente, utilizando o poder das palavras para promover o bem-estar e a compreensão mútua.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a ajuda do entendimento desses conceitos, é possível criar um ambiente terapêutico propício ao crescimento e desenvolvimento emocional do paciente. É essencial que os profissionais da área da psicanálise estejam atentos a essas questões e busquem aprimorar constantemente suas práticas clínicas, visando sempre o bem-estar e a saúde mental dos indivíduos. O desenvolvimento de um espaço onde o analisante se sinta à vontade para falar sobre efetivamente tudo o que lhe vier à mente pode propiciar momentos e revisitas sobre afetos, agora sob uma nova perspectiva.

Psicopatologia Psicanalítica

Psicopatologia Psicanalítica - Fabio Rocha



Patologia vem do grego “Pathos”, mesma origem da palavra “paixão”. Pathos, para os estóicos, seria um grau de percepção de forma subjetiva, pessoal. Uma imagem específica e individual da natureza da alma. Já o Epicurismo interpretou o Pathos em situações mais corriqueiras, sob a visão do princípio do prazer (que não tem relação com o “princípio do prazer” de Freud).  A experiência e o aprendizado do Pathos estariam relacionados com o prazer, o desprazer e a variação de emoções para os Epicuristas (momento histórico menos maniqueísta). Além de uma visão dual de bem e mal, simplista, os Epicuristas enxergam o Pathos como uma dinâmica de vida mais complexa. Para Aristóteles, que trabalhou o conceito de Pathos dentro da retórica (arte de falar, de emocionar e de persuasão). Em resumo:


  1. Estoicismo - Pathos como estado de espírito (subjetivo)

  2. Epicuro - Pathos como a variação de emoções das pessoas

  3. Aristóteles - Pathos como a influência que o retórico exerce sobre as emoções do público (exercício de autoconhecimento)


A relação disso com a questão da doença está na subjetividade, nas emoções, nos graus de percepção de si e do mundo, da relação com os pontos sensíveis da existência de cada ser humano. Nossos graus de percepção teriam alguns aspectos em comum. Pessoas com visões de mundo ou formas sensoriais de mundo parecidas com a nossa geram uma sensação de reconhecimento. “O pathos está ligado ao modo afetivo que cada indivíduo constrói para estar no mundo, dizendo respeito não somente às questões de desequilíbrio, mas estando presente também no dia-a-dia do sujeito e de sua cultura. Essa disposição subjetiva individual resultará na maneira como o sujeito lidará com a realidade: se com mais ou menos sofrimento, se com mais ou menos contato com essa realidade e de maneira mais rígida ou flexível.” - apontamento feito pelos Psicanalistas Tania Inessa e José Carlos Filho em “A patologia como possibilidade estruturante do sujeito: uma releitura da questão phatica”.


Historicamente, houve uma evolução na forma como eram encaradas as doenças mentais. Na idade média, a Igreja e a religião viam influências espirituais nessas doenças (baseada em folclore, superstição, eventos sobrenaturais, bruxaria, curandeirismo, possessões etc.). Apesar dessa visão ainda perdurar em alguns meios, com o Iluminismo, passa-se a trabalhar na cura da doença mental. no século XIX surgem os manicômios para seu tratamento. É quando surge Freud e as bases da Psicanálise. Freud questiona a visão de sua época de doença mental como excesso ou desvio.


Patologia é o estudo das causas e efeitos de doenças e de lesões. Para a psicanálise, Freud partiu do estudo das defesas da repressão para construir o extrato da patologia psicanalítica. Freud estudava a histeria inicialmente, junto com Breuer. A ideia fixa, representação obsessiva e o delírio, típicos da histeria foram posteriormente enquadrados na psicose. Na psiquiatria, teremos uma tentativa maior de enquadramento das doenças mentais a psicopatologias específicas. 


A psicopatologia pode ser entendida com o estudo das doenças anormais, sendo esse grau de normalidade determinado pela época. Vários comportamentos são vistos como doença ou não conforme a época. A norma social é um registro inicial do que se pode denominar como psicopatologia. 


Há duas formas de observação na psicopatologia. Na psicopatologia descritiva, há uma observação dos sintomas relatados pela pessoa. Baseia-se na fenomenologia. Um sintoma dentro de um contexto social, econômico e político. Na psicopatologia explicativa, busca-se encontrar explicações para certos tipos de sintomas de acordo com modelos teóricos (exemplo: TCC - terapia cognitivo comportamental). 


A psicopatologia para outras áreas difere da psicopatologia para a Psicanálise. A psicanálise tem uma visão dualista, baseada em Descartes: alma/mente (inconsciente) versus corpo/matéria (consciente). Para as outras áreas (que não consideram o inconsciente), a visão é mais monista: processos físicos, elétricos e químicos do cérebro. Mais facilmente observável em dados. Esta visão é a da psiquiatria e medicina e pode ocasionar o problema da hipermedicação, como ocorre hoje em todo o mundo e nos Estados Unidos, principalmente. Ainda nessa área que desconsidera o inconsciente, a neurociência tem mostrado estudos comprovando os benefícios da meditação para algumas doenças. 


A grande categorização na psicopatologia psicanalítica:


  • Neurose - “doença dos nervos” - maioria das pessoas tem. doenças psicossomáticas. sintomas simbólicos de conflito psíquico. raízes infantis. 


  • Psicose - algo que a mente não consegue suportar e cria uma realidade diferente.

  • Perversão - sem castração na infância. realiza todos os desejos. (realiza o que o neurótico apenas deseja). tem prazer no sofrimento do outro. OBS.: Pode ser um narcisista - senso de superioridade e foco em si mesmo (mas nem todo narcisista é perverso). Pode ser um psicopata (dificuldade de sentir empatia ou remorso, crueldade).


Subdivisões da Neurose: Obsessiva (sintomas compulsivos gerando ciclo repetitivo), Histeria (transtorno psíquico que resulta em somatização ou angústia) e Fobia (situação ou objeto externo específico. Ex: aracnofobia).

Subdivisões da Psicose: Paranoia (delírios de sofrer ameaça ou perseguição), Esquizofrenia (delírios, alucinações, pensamento e fala desorganizados e comportamento bizarro e inadequado), Melancolia (tristeza profunda e prolongada - estado mórbido caracterizado pelo abatimento mental e físico, hoje considerado mais como uma das fases da psicose maníaco-depressiva.) e Autismo (na atualidade é considerado um distúrbio global do desenvolvimento e muitos o consideram uma "invenção" da psicopatologia moderna).

Subdivisões da Perversão: Fetichismo (adoração por objeto ou parte do corpo), Parafilia (relação de dor ou sofrimento - sadismo, masoquismo, pedofilia...) e Adicção (dependência biopsicossocial).

OBS.: O psicanalista não faz diagnóstico ou passa remédios (quem pode fazer é psiquiatra), porém esse conhecimento das patologias (e também dos remédios) pode ser útil no processo de análise. Da mesma forma, o bom psicanalista não julga ou aconselha, cabendo esta função para alguns psicólogos que trabalham assim. A psicanálise vai além da descrição dos sintomas, explorando os desejos e motivações subjacentes e procurando ajudar o sujeito na compreensão dos conflitos e na promoção de mudanças nos padrões disfuncionais – o que implica na redução dos sintomas.


A Psicanálise Contemporânea

Psicanálise Contemporânea - Fabio Rocha


A clínica nos dias atuais, após mais de cem anos de Freud “descobrir” o inconsciente, se apresenta na contemporaneidade como um encontro mediado pela palavra. Independentemente da escola. A palavra do analisando, que  carrega com ela afetos, emoções.

O papel ético do psicanalista é proporcionar esse livre discurso. Escutar. O analisando deve falar livremente sobre seus pensamentos, experiências, sentimentos, sem qualquer julgamento ou censura por parte do analista. Com isso, ele poderá melhor compreender seus conflitos e promover mudanças nos padrões disfuncionais. Para que o analisando possa reconfigurar a sua percepção de si mesmo. Ao ouvir a si mesmo, perceber como conta sua própria história e através disso acessar seu inconsciente. A técnica principal é a escuta ou atenção flutuante (escuta ou atenção flutuante refere-se ao estado especial de consciência de que o terapeuta necessita para ser capaz de ouvir o paciente e detectar o que há de mais significativo em sua história).

Assim, acaba-se chegando a causa que leva a expressão de sintomas. 

Para se estabelecer essa relação com sucesso, o analista precisa estar bem consigo mesmo, com sua própria escuta. Daí a importância de também ser analisado. O tripé psicanalítico segue como base nos dias atuais: teoria, análise pessoal e supervisão. Principalmente nos tempos atuais, desenvolver a arte da escuta, sem que algo do próprio analista se revele, requer que o analista tenha muito tempo de qualidade como analisando.


O analisando sempre tem um desejo pelo não saber. A tensão gerada pelo desejo e a impossibilidade de obter o que deseja. O indivíduo procura a análise buscando a diminuição de sua angústia, não de entrar em contato com seus conteúdos inconscientes. Conhecer-se, estar próximo de si é algo de que fugimos naturalmente. O psicanalista, necessariamente, precisa tocar em pontos que o analisando não quer olhar. Não quer falar sobre. Não que deixar acontecer a catarse. O neurótico tende sempre a evitar. Muitas vezes, neste processo, vai ficando claro que seus desejos muitas vezes não são desejos dele, mas dos pais, da sociedade, de outros. E não é fácil chegar nesse ponto de desconstrução, possibilitando uma ressignificação do olhar sobre si mesmo. Aí começa a mudança.


Hoje, devemos manter o foco nas resistências do analisando. A angústia que o traz para a análise, falta de sentido ou entendimento, sensação de vazio sem um objeto claro. (Quando há um objeto claro, é fobia.) O analisando vive na evitação de ambas. E a importância da psicanálise hoje é justamente essa: se aprofundar, sem pressa, de modo a tratar as causas. Diferentemente de outros tratamentos que só visam melhorar os sintomas, as angústias e fobias, sem trabalhar de forma mais profunda (e - podemos dizer - até filosófica) em suas causas. Curiosamente, em situação de paixão ou ódio, também sofremos um tipo de evitação. A pessoa não quer saber de mais nada, o foco se resume ao objeto, o outro (muito mais imaginário do que real). Há uma evitação também de qualquer outra coisa fora desse foco de paixão ou ódio. Inclusive de conhecer o outro real ou a si mesmo. Muitas vezes, essa “cegueira” causa tantos transtornos na vida da pessoa, que ela busca a psicanálise.


OBS.: Ao se aproximar das questões, a angústia aumenta. É normal. Nessa hora, cabe ao analista o manejo para impedir a fuga, a quebra do setting analítico e do atendimento em psicanálise. Pois passar por essa angústia é uma fase necessária para proporcionar a mudança que o analisando tanto quer em sua vida.