Heráclito, Nietzsche e Jung em confluência

"As almas farejam no invisível."
Heráclito de Éfeso, fragmento XCVIII (Heráclito, Fragmentos Contextualizados - tradução, apresentação e comentários por Alexandre Costa. - Rio de Janeiro: DIFEL, 2002, p. 157)

"A sincronicidade não é mais enigmática nem mais misteriosa do que as descontinuidades da Física. É apenas nossa convicção arraigada do poder absoluto da causalidade que cria as dificuldades ao nosso entendimento e nos faz parecer que não existem e nem podem existir acontecimentos acausais."
Carl Gustav Jung (Sincronicidade, 13a edição, Tradução de Pe. Dom Mateus Ramalho Rocha, Petrópolis: Editora Vozes, 2005, p. 82)

"- Qual é a tarefa de todo ensino mais elevado?
- Tornar o homem uma máquina.
- Qual o meio para tanto?
- Ele precisa aprender a entediar-se."
Friedrich Wilhelm Nietzsche (Crepúsculo dos ídolos ou como filosofar com o martelo, aforismo 29, ebook)

O ETERNO RETORNO DE NIETZSCHE E A MÚSICA

Pensei numa metáfora musical para essa bela teoria: as notas musicais (limitadas, não infinitas) produzem quase infinitas combinações de músicas. Porém, se considerarmos o tempo infinito, com certeza algumas músicas se repetirão. Serão idênticas as sequências de notas musicais.

As forças Nietzchianas são como as notas musicais. A disputa das forças, seguindo a vontade de potência, se também considerarmos o tempo como infinito, forçosamente se repetirão. Logo, como tudo são jogos de forças para Nietzsche, tudo está retornando eternamente, já que o tempo não tem começo ou fim.


(Fabio Rocha)

Trabalho sobre O Fenômeno Urbano - A Metrópole e a Vida Mental – texto de Georg Simmel

Trabalho sobre O Fenômeno Urbano - A Metrópole e a Vida Mental – texto de Georg Simmel

1) Retrato psicológico do homem metropolitano típico e sua relação com as condições objetivas da metrópole

Para o autor, o homem que vive nas grandes cidades vive num estado de resistência, para manter sua subjetividade, autonomia e individualidade. O contraponto é do homem mais primitivo, que tinha uma luta pela sobrevivência apenas.
Outro aspecto levantado é que a metrópole criaria um modo de vida com tantos estímulos e com um ritmo de vida tão acelerado que o metropolitano, como defesa, tende a reagir menos emocionalmente e mais com a inteligência (que o autor chama de atitude de reserva) ou a quase não reagir (atitude blasé).
Esse cenário de frieza e distância, quando comparamos com o modo de vida no campo, vem junto com a presença massificante do dinheiro, como medida de todas as coisas. Tudo perde o encanto, a “cor”, o caráter único, para se tornar um preço. Até mesmo os relacionamentos pessoais são afetados por esta lógica monetária.
Um ponto de vista positivo, segundo Simmel, seria a liberdade maior que a vida em metrópole proporciona. Com a maior especialização do trabalho, cada indivíduo gastaria menos tempo tentando manter sua vida e, assim, teria mais liberdade para gastar seu tempo com questões de interesse pessoal.
A auto-estima também parece difícil na grande cidade. E algumas pessoas tentam mantê-la através do reconhecimento e atenção de outras. Para isso, criam um comportamento “extravagante”, tentando ser únicas no universo massificador da metrópole.

2) Princípio sociológico maior presente no texto

Podemos perceber vários princípios sociológicos no quadro de Simmel, mas ele expressa claramente um deles no texto: a idéia de metrópole como ilustração do princípio da união em grupos sociais (partidos políticos, governos etc.). Esses grupos precisam de regras para se manterem. E são essas mesmas regras que diminuem as liberdades individuais. Com o crescimento do grupo, a tendência observada em todos os casos é das regras ficarem menos rígidas, dando uma maior liberdade aos indivíduos que compõem o grupo.

3) O indivíduo e a sociedade

O indivíduo se opõe à sociedade na medida em que luta para manter sua individualidade, para distinguir-se, quando a sociedade e o modo de vida das grandes cidades, seus horários rígidos, seus números desumanos, tendem a massificar seus pensamentos e comportamentos.
Para Simmel, essa oposição ou conflito entre indivíduo e sociedade diminui se mudarmos de perspectiva e observarmos a liberdade e igualdade maiores que a metrópole proporciona quando comparada à vida no campo, ou numa cidade pequena, ou no século XVIII, com regras mais rígidas (políticas, religiosas etc.).

4) A relação entre cultura objetiva e cultura subjetiva

Cultura objetiva seria a cultura ligada a objetos (coisas, conhecimento, instituições). A cultura subjetiva estaria ligada ao indivíduo. Para o autor há uma discrepância grande no ritmo de crescimento das duas culturas. Enquanto a objetiva cresceu vertiginosamente, a subjetiva foi mais lenta e pode ter até regredido em certos pontos (ética, idealismo etc.).
A causa deste fenômeno, seria a divisão do trabalho e sua crescente especialização, que torna os indivíduos cada vez mais alheios ao todo, com sua visão focada apenas ao processo (cada vez menor) que lhe é atribuído, para ganhar seu dinheiro.
Por exemplo, um artesão, na antiguidade, sabia como funcionava cada parte da carroça que construía, em seu ritmo, com sua arte, sua subjetividade. Na época do texto de Simmel (século XIX), um operário de uma fábrica de carros é quase um robô – muito bem representado no filme “Tempos Modernos”, de Chaplin, apertando parafusos, sem espaço nenhum para subjetividade.
Essa discrepância lembra o que Nietszche chamou de crescimento demasiado do Apolíneo em detrimento do Dionisíaco.


(Fabio Rocha)

TRABALHO SOBRE NIETZSCHE E A METAFÍSICA

“Eu não o exortaria se recobrar sua liberdade lhe custasse alguma coisa; como o homem pode ter algo mais caro que restabelecer-se em seu direito natural e, por assim dizer, de bicho voltar a ser homem? Mas ainda não desejo nele tamanha audácia, permito-lhe que prefira não sei que segurança de viver miseravelmente a uma duvidosa esperança de viver à sua vontade.” – Etienne La Boétie (Discurso da servidão voluntária)

Não há como não ver nesta passagem o rebanho de Nietzsche, preferindo seguir os sacerdotes a escolher seus próprios passos. Será que após tantos anos, apenas trocamos os tiranos monarcas da época de La Boétie por outros, mais atuais? Para Nietzsche, são eles: a ética, a causalidade, o cristianismo (e suas culpas), o mundo ideal separado do nosso, a busca da essência das coisas, a busca da verdade (como algo fixo), dentre outros. Continuamos seguindo por um caminho indicado (como atores, para Nietzsche), ao invés de construirmos ativamente um caminho único, nosso:

"Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar para atravessar o rio da vida - ninguém, exceto tu, só tu. Existem, por certo, atalhos sem números, e pontes, e semideuses que se oferecerão para levar-te além do rio; mas isso te custaria a tua própria pessoa; tu te hipotecarias e te perderias. Existe no mundo um único caminho por onde só tu podes passar. Onde leva? Não perguntes, segue-o.” – trecho atribuído a Nietzsche

É difícil pensar em um filósofo mais libertário e, conseqüentemente, interessante. Crítico também da humildade, o próprio Nietzsche o afirma em “Ecce Homo” que a leitura de seus textos faz com que se perca o interesse em outros filósofos.

É complicado até imaginar uma construção de caminho ao caminhar, e não anterior ao caminhar, mas é isso que Nietzsche diz. Que pensemos junto com o agir: “Enquadrar-se, viver como vive o ´homem comum´, achar correto e bom o que ele acha correto: isso é a submissão ao instinto de rebanho. Há que se levar sua coragem e o seu rigor longe o bastante para sentir como uma vergonha tal submissão. Não viver com duas medidas!... Não separar teoria e práxis!...” (Aforismo 458 do “Vontade de Poder”). O final desta passagem mostra também a importância de viver conforme se fala, de representar o menos possível, de seguir os instintos. “Tudo o que é bom é instintivo.” (Aforismo 2 do “Crepúsculo dos Ídolos” )

Alguns o acusam de ser ilógico ou incoerente. Mas e se ele nem tentou se enquadrar nesses conceitos? Isso tira a validade de seus textos? O que é a validade senão um conjunto de regras pré-determinadas, ou seja, um caminho já percorrido? E, para completar, esse caminho já percorrido tenta chegar à verdade. E essa verdade existe? Penso que se pode afirmar que o autor se encontra além da lógica racional, matemática, cientificista (assim como ele mesmo diz estar além da moral): “Defendo-me contra toda tartufaria de cientificidade:
1 – em relação à exposição, quando ela não corresponde à gênese dos pensamentos
2 – nas reivindicações de métodos, que talvez não sejam absolutamente possíveis durante um determinado tempo da ciência
3 – nas reivindicações de objetividade, de fria ausência de personalidade, nas quais, como em todas as valorações, contamos com duas palavras sobre nós e nossas vivências interiores” (Aforismo 424 do “Vontade de Poder”)

Nietzsche nos faz repensar tudo, até a linguagem. Ele descontrói convincentemente nosso método de linguagem, mostrando que todos os conceitos básicos da comunicação não passam de convenções, assim como o conceito de verdade: “O que é então a verdade? Uma hoste em movimento de metáforas, metonímias, antropomorfismos, em resumo, uma gama de relações humanas que foram realçadas, extrapoladas e adornadas poetica e retoricamente e que, depois de um uso prolongado, um povo considera firmes, canônicas (...)?”. (“Sobre verdade e mentira no sentido extramoral”, cap. 1)

Ainda sobre a verdade, ele nos alerta do perigo de se estagnar sobre ela, perdendo-se a vontade de experimentar, examinar, pesquisar: “é mais confortável obedecer do que examinar... é mais lisonjeiro pensar ‘eu tenho a verdade’ do que ver em torno de si somente escuridão”. (Aforismo 452 do “Vontade de poder”). Na história da Filosofia, podemos perceber esta mesma crítica nos diálogos socráticos e no mito da caverna de Platão (os prisioneiros preguiçosos e muito convencidos de que estavam diante do real quando viam as sombras projetadas na parede, nem tentariam sair da caverna...)

Só uma visão muito afastada do convencional e do individual e, ao contrário, próxima do todo, pode nos fazer repensar tudo o que costumávamos aceitar. E isso é declaradamente o que Nietzsche quer: “um ceticismo absoluto contra todos os conceitos herdados” (Aforismo 409 do “Vontade de Poder”).

Como ele alerta, é preciso coragem para seguir esses preceitos e tornar-se um “espírito livre”. É um caminho mais difícil do que deixar-se no rebanho... E Platão já dizia que “tudo o que é grandioso é perigoso (...) e o que é belo é difícil.” (A República – livro VI – 497) Mas esse seria um grande passo para a construção de um homem realmente saudável. E também de filósofos mais criativos e originais, que se permitam ir além de repetir seus antecessores:

“Quanto a mim, os autores de que gosto, eu os utilizo. O único sinal de reconhecimento que se pode ter com um pensamento como o pensamento de Nietzsche é precisamente utilizá-lo, deformá-lo, fazê-lo ranger, gritar. Que os comentadores digam se é ou não fiel, isto não tem o menor interesse.” (FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1986.).


(Fabio Rocha)

TRABALHO SOBRE O TEXTO: DA MORTE E SUA RELAÇÃO COM A INDESTRUTIBILIDADE DO NOSSO SER-EM-SI - Arthur Schopenhauer

TRABALHO SOBRE O TEXTO
DA MORTE E SUA RELAÇÃO COM A INDESTRUTIBILIDADE DO NOSSO SER-EM-SI - Arthur Schopenhauer
(O mundo como vontade e representação, Suplemento ao livro quarto, capítulo XLI)

A Filosofia era considerada por Platão como “preparação para a morte”. Textos anteriores de Parmênides e Heráclito já tratam da questão do nascer e perecer. Há uma infinidade de Filósofos a tratar do tema e até Freud escreveu sobre a pulsão de morte (extremamente importante para a Psicanálise), tratando de como termos a certeza da morte nos influencia inconscientemente muito mais do que costumamos imaginar. A morte é um dos temas centrais de toda a Filosofia.
Schopenhauer fala da diferença entre a cosmogonia budista (e bramanista) e das outras religiões: para os primeiros, o homem é o próprio ser originário, cuja essência não tem nascer nem perecer (semelhante à idéia da physis, já presente nos textos de Parmênides e Heráclito, onde nascer e morrer seriam apenas ilusões para quem não vê o todo). Já para os católicos e os de outras religiões, o homem teria vindo do nada e só passaria a existir com o nascer. A implicação disso é que a idéia de morte é muito mais natural, menos preocupante, para o budista, enquanto os cristãos vivem no absurdo limite entre a aniquilação total antes do nascer e a imortalidade da alma após a morte.
Para Schopenhauer, as essências das coisas (as “coisas-em-si”) seriam inalcançáves pela razão e pelo conhecimento, mas podem ser alcançadas pela intuição. Difere de Kant, para quem essas essências seriam totalmente inalcançáveis. Já para Nietzsche, a essência das coisas (como algo além das coisas a que chegamos pelos sentidos), assim como um “mundo verdadeiro” não existiria.
É pela intuição que Schopenhauer acha possível chegar a essência única de todas as coisas (que percebemos através dos sentidos como suas meras representações – daí o título de seu livro). E essa essência seria a vontade, a força natural, a energia vital, o núcleo e a origem da realidade. Vontade além do conceito de tempo cronológico, por tocar o eterno, sem início ou fim. Além do Chronos e mais próxima do Aión. (“A matéria pura (...) é o reflexo imediato, a visibilidade em geral da coisa-em-si, portanto da vontade”).
Assim, nossas vidas individuais e nosso “eu” seriam ilusões, assim como nosso nascimento e morte, “fenômenos superficiais”. Schopenhauer Nossa consciência (ou alma) seria o resultado da vida orgânica, e não causa. Com isso, acabando-se a vida orgânica, a consciência também se acabaria. Particularmente, acho questionável essa certeza da consciência como resultado, pois com todo o avanço da medicina, até hoje não conseguimos atribuir com certeza um local específico em nosso corpo onde estaria a consciência (do mesmo modo, com a memória).
Mas, para Schopenhauer, as consciências se acabam junto com as vidas individuais e a essência, ou a espécie, é que sempre permanece. Se uma mosca dorme e no dia seguinte volta a zumbir, ou se morre e no dia seguinte outra mosca nascida do seu ovo vem zumbir - é a mesma coisa para o autor. Assim como os dias se acabam e voltam a nascer, as estações do ano sucumbem e florescem, “tudo existe sempre no seu lugar e na sua ocasião.” Podemos perceber aqui o conceito do trágico, também muito utilizado por Nietzsche e uma possível inspiração para o seu “eterno retorno”: “Disso que existimos agora, segue-se, pensando bem, que devemos ser em todos os tempos”.
Do mesmo modo que a água que flui numa cachoeira produz um arco-íris imutável acima dela, a sucessão de vidas individuais criaria uma espécie imutável acima delas. Schopenhauer parece aqui, querer trazer algo de modo mais científico e palpável (espécie) ao conceito de essência imutável e una. Porém, hoje em dia, já sabendo da extinção de várias espécies pelo homem, ou imaginando o fim da própria raça humana quando o planeta se acabar, parece ruim o conceito de espécie como exemplo de infinitude.
O temor da morte, Schopenhauer coloca em paralelo com a “vontade de vida”, ambos existentes em homens e animais. Esse medo de morrer e apego a vida em qualquer caso, seria inclusive insensato, como Sócrates já demonstrara na Apologia de Platão (se antes da vida havia o não ser, e se voltássemos a isso após ela, qual seria o problema?). Mas a vontade de vida seria “cega e desprovida de conhecimento”, instintiva como nos animais desprovidos de raciocínio. É interessante notar aqui que Schopenhauer nos aproxima dos animais pelo instinto, enquanto outros filósofos tendem a nos afastar dos animais pela razão.
Para Schopenhauer, o egoísmo do homem o faz limitar toda a realidade à própria pessoa. E a morte seria o desvelar desses véus de ilusão (os véus de Ísis), mostrando que o homem é parte do todo, e o todo é também o homem. Isso eliminaria a diferença entre externo e interno (o que Freud muito mais tarde diria que acontece com todas as crianças, que ao crescerem vão mudando de percepção e passam a se sentir individuais, separadas do mundo que as cerca). O homem que consegue manter esta percepção de parte do todo, para Schopenhauer, pode transformar seu egoísmo em altruísmo (compaixão) e estará muito mais bem preparado para a morte.


AMOR E MORTE

Dissolver-se aos elementos
virar árvore, carbono, pensamento
multiplicar-se em nada e paz
morrer...

Dissolver-se no outro
tornar-se mais por ser menos
derramar-se infinitamente em infinitos copos
metade cheios
amar...

A morte ama o amor:
o amor mata a morte.


(Fabio Rocha) - 08/05/05