Este trabalho visa explicar a noção de conceito completo para Leibniz, articulando-o com a definição analítica da verdade e o princípio da identidade dos indiscerníveis, indicando os problemas que esta noção coloca para a liberdade humana.
Comecemos pelo início: a criação do mundo. O Deus de Leibniz tem vontade e intelecto, distintos ontologicamente (nisso, difere de Espinosa, onde vontade e intelecto se misturariam). Deus é também, por natureza, bom, o que implica que só poderia escolher (na eternidade ) o melhor dos mundos possíveis para criar (com a vontade). Vale notar que o melhor, para o autor, seria o resultado máximo (maior riqueza de efeitos) com um menor gasto de recursos (ou meios). Deus é uma perfeição para Leibniz: tem forma e natureza suscetível de último grau (não se pode acrescentar maior). Ou seja, tem onisciência, onipotência e bondade absoluta (vontade soberanamente boa).
Mas como se dá essa escolha do melhor mundo? Deus, tendo intelecto infinito, pode escolher dentre infinitas combinações de substâncias individuais , porém apenas as combinações possíveis (respeitando o princípio da não-contradição). Por exemplo, por ser contraditório, Deus não poderia criar um quadrado redondo. Ele organiza, assim, vários mundos compossíveis com o intelecto e escolhe o melhor com a vontade.
A criação do mundo dá início à temporalidade, onde o potencial de cada substância individual se torna uma ação a cada instante do tempo. Com isso, Deus, ao escolher o melhor dos mundos possíveis como a melhor combinação possível de substâncias individuais, já sabe, na eternidade, as características intrínsecas a cada uma delas. Assim, quando isto se desdobra na temporalidade, podemos afirmar que o Deus de Leibniz já sabe tudo o que aconteceu e acontecerá com todas as substâncias individuais.
Aí temos a teoria analítica da verdade: Todos os infinitos predicados são necessários para o sujeito (finito) ser o que é. Logo, um predicado (seja ele necessário – negação impossível – ou contingente – contrário não envolve contradição) é verdadeiro se está contido no conceito do sujeito.
Seguem-se daí a definição de conceito completo e de indivíduo:
1 - O conceito C de uma coisa S é dito completo se e somente se, da preposição “S é C” pode-se deduzir todas as outras (infinitas) proposições
verdadeiras tendo S como sujeito: “S é P1”; “S é P2”; ...
2 - S é um indivíduo se e somente se S possui um conceito completo.
Isso se reflete nas mínimas coisas: por exemplo, se eu não escrevesse esta frase neste instante, não seria eu, pois no conceito do meu “eu”, já estaria determinado desde a eternidade que eu escreveria esta frase neste instante (pelas propriedades relacionais que vinculam todas as coisas, o mundo também não seria o mesmo). É o chamado superessencialismo de Leibniz: todas as propriedades de um indivíduo (necessárias ou contingentes) constituem a sua identidade. Esse princípio de “eu” não ser mais “eu” por uma diferença na ação é chamando de princípio da identidade dos indiscerníveis: toda diferença extrínseca repousa numa intrínseca. Ou seja, não é possível duas substâncias individuais se assemelharem completamente (em todos os seus infinitos predicados) e diferirem apenas em número.
Em complemento, nada é incerto ou casual para Leibniz, pelo princípio da razão suficiente, que diz que tudo tem uma causa ou razão.
Aí começa o problema da liberdade. Como teríamos liberdade de escolha de nossos atos, se Deus já soubesse de tudo que escolheríamos? Como podem haver porposições contingentes, considerando-se o conceito completo? E como poderíamos realizar alguma ação de modo diferente, mantendo nossa identidade, considerando-se o princípio da identidade dos indiscerníveis?
Definamos, antes de nos aprofundar nessas questões, as três condições de liberdade de ação para Leibniz: espontaneidade (o agente é a fonte única da ação), inteligência (a decisão da ação é baseada em razões) e contingência (o oposto da escolha da ação não seria uma contradição).
Há duas tentativas de se resolver esse problema: a concepção epistêmica da contingência e a concepção ontológica da contingência. A primeira diz que, para Deus, que tem intelecto infinito, tudo é necessário. Nós é que, por não sermos infinitos como ele, interpretamos algumas propriedades como contingentes por ignorarmos todas as suas causas. A segunda, diferencia necessidade hipotética de necessidade lógica, assim compatibilizando determinismo com contingência.
Adiante detalharemos mais a segunda concepção, com base no texto de Luis Henrique Lopes dos Santos, tentando mostrar como o sistema de Libniz atende às três condições de liberdade:
A conexão entre predicados e substâncias é anterior à vontade divina. Logo, mesmo uma ação estando determinada (necessidade hipotética), as substâncias individuais têm espontaneidade de seguir a sua natureza interna, seguindo a sua autodeterminação prévia, anterior à própria criação do melhor dos mundos possíveis. Isso validaria a condição de ESPONTANEIDADE.
Quanto a INTELIGÊNCIA, não há maiores dificuldades a tratar.
Para a CONTINGÊNCIA ser também satisfeita, tem que ser possível o oposto da referida ação, mesmo esta que não seja efetivamente realizada temporalmente. Essa possibilidade é lógica e não temporal. É o chamado “possível em si”, do plano da eternidade, que pode explicar a contingência de tal ação.
A liberdade para Leibniz é a capacidade de se guiar ao máximo a partir de sua própria essência ou natureza. E podemos questionar: a liberdade humana existe em seu sistema, no plano da eternidade, ou o “possível em si”, que garante a contingência de uma ação livre, é que se dá no plano da eternidade?
Bibliografia:
LEIBNIZ, G. H. O discurso de metafísica. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Pensadores)
SANTOS, L. H. Leibniz e os futuros contingentes. Revista Analytica. Volume 3. Número 1. 1998. pp. 91-121.
(Fabio Rocha)
2 comentários:
Olá como vai o pensador? Tudo bem?
Voltarei sempre por aqui, assim a gente se divulga mutuamente não acha?
Alda
Maravilha, Alda, obrigado. Tudo bem e contigo?
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